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 Um filme de rock, mesmo que seja ruim. Era pedir demais na primeira metade dos anos 80, quando quem curtia som de verdade precisava ir a cineclubes como Carbono 14 e rock show, em São Paulo, para vibrar com os mesmo shows antigos de sempre – “California Jam”, do Deep Purple, “Never Say Die Live”, do Black Sabbath, “Let There Be Rock”, do AC/DC…

Não foi surpresa quando as salas de cinema lotaram por horas seguidas quando veio “The Wall”, do Pink Floyd, em 1982, mas a lotação não correspondia à bilheteria – a molecada assistia a cinco sessões seguidas…

E então veio a bomba “Mande Lembranças para Broadstreet”, de 1984, quando Paul McCartney achou que poderia ser ator, produtor e “diretor” de filmes. Só no Brasil a bilheteria foi boa, também com a molecada vendo o filme três vezes consecutivas sem nem mesmo ir ao banheiro.

Quase vinte anos depois, uma notícia animadora: o heavy metal ganharia as telonas com grande orçamento e produção requintada, com estrutura de grande estúdio e assinatura de George Clooney, um dos produtores. E o melhor: também teria a assinatura do Judas Priest, que seria a base do roteiro. Parecia o melhor dos mundos.

“Rock Star”, dirigido por Stephen Herek, chegou aos cinemas em 2001 e conseguiu irritar a todos. Não bastassem as sucessões de clichês e preconceitos, havia também um roteiro péssimo e atores sem entusiasmo para viver o sonho do roqueiro que rala que chega ao sucesso. Um filme muito pior que o de Paul McCartney…

Tudo ia bem enquanto o Judas Priest esteve envolvido. O roteiro se basearia na história do cantor que trabalhava em emprego ordinário durante o dia enquanto cantava na banda cover do Judas à noite e nos fiais de semana. Um belo dia, recebe o telefonema mágico de um empresário o convidando para uma audição para substituir o ídolo.

É justamente a história do cantor Tim “Ripper” Owens, vocalista do Winter’s Bane, banda obscura que tinha músicas próprias mas se destacava pelas boas versões dos clássicos do Judas Priest, banda inglesa amada por Owens.

Rob Halford, um dos deuses do metal, tinha deixado a banda no final de 1991 e o Judas Priest levou quase cinco anos para escolher o substituto. 

Após um fã americano enviar uma fita de vídeo VHS para o escritório os empresários, os músicos foram conferir o Winter’s Bane ao vivo. Logo depis, em 1996, Owens era anunciado como o novo cantor do Judas Priest, posto que ocuparia formalmente até 2003, quando foi demitido de forma desrespeitosa para que Halford voltasse.

A história do “Cinderelo do Metal” era muito boa e foi “leiloada” entre estúdios e produtores. O orçamento seria generoso e a banda ficou satisfeita com as condições.

Só que não deu certo. O roteiro original era um absurdo, cheio de clichês e forçação de barras, incluindo o preconceito contra o então ex-vocalista, homossexual que tinha assumido sua condição no final da década de 80. O estúdio não estava interessado em contar uma boa história. Queria sensacionalismo para faturar o suficiente sem ser de preparar algo com qualidade.

A banda fictícia Steel Dragon, com o ator Mark Wahlberg (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O Judas Priest se retirou do projeto e se precaveu juridicamente para erradicar as referências, mas nao poderia impedir que ao menos alusões á história de Owens continuassem.

E então a banda do filme deixou de ser Judas Priest e virou Steel Dragon. O heavy metal deu lugar ao hard rock. E o cantor da banda, ao dar lugar para o herói do filme, foi demitido por ser homossexual – o que selou a decisão do Judas Priest de sair do projeto, já que o homossexual Rob Halford não foi demitido, já que saiu por vontade própria para uma carreira solo.

O roteiro original foi mantido e o filme ficou mais conhecido pelas confusões contratuais e pelas reclamações do Judas Priest quanto ao roteiro ruim e forçado.

Os astros escalados nunca pareceram, de fato, empolgados com o filme. Mark Wahlberg, ex-cantor de rap que fez algum sucesso como o rap Marky Marky nos anos 80, era do ramo e sabia o que estava fazendo, mas não entrou no personagem. 

O seu espírito era tal que nos créditos finais ele aparece em uma cena de bastidores com amigos e outros atores em uma sala numa confraternização. Subitamente se levanta e vai ao aparelho de som e grita: “Vou tirar essa bosta de metal. Aqui é só rap, porra!”

Jennifer Aniston, que fez o papel de namoradinha negligenciada e abandonada do cantor que vira astro, demonstrou ainda mais sua insatisfação com uma atuação protocolar e fazendo questão de deixar claro que sua personagem era bem coadjuvante, quando não secundária.

E então a maior chance de vermos uma história de rock pesado chegar ao grande público mundial de cinemas não passou de uma oportunidade desperdiçada em nome do lucro fácil. “Rock Star” não passou de um filme fraco até mesmo para a “Sessão da Tarde”, da TV Globo.

Wahlberg não entendeu a dimensão do personagem e nem se esforçou para isso. No piloto automático, fez o cantor esforçado e talentoso que foi expulso da banda cover do Steel Dragon por “perfeccionismo”. Em um show dos ídolos, cantou tão alto que chamo a atenção de todos. Quando o titular foi demitido por, entre outras coisas, ser homossexual, o personagem de Wahlberg é convidado para uma audição e é aprovado. Saboreia o sucesso, mas entra em conflito com os outros integrantes na hora de gravar um álbum. Suas contribuições são vetadas porque não têm a “cara” do Steel Dragon. Desiludido, sai da banda e volta a tocar em bares vazios, no esquema banquinho e violão.

A trilha sonora, bem razoável, é milhões de vezes melhor do que  filme. Ali aparecem nomes como Zakk Wylde (guitarra, Black Label Society e Ozzy Osbourne) e Jason Bonham (bateria, Black Country Commuion). 

Também tocam em quase todas as músicas da trilha original ao lado de gente como Jeff Pilson (Dokken), Zakk Wylde, Blas Elias (Slaughter), Nick Catanese (Black Label Society), Brian Vander Ark (The Verve Pipe) e Jeff Scott Soto, além de Miljenko “Mike” Matijevic, vocalista que estava em ostracismo desde o grave acidente que sofreu durante um show do Steelheart em 1992.

“Stand Up and Shout” se tornou um improvável hit nas rádios rock daquele ano e depois ganharia uma versão ao vivo de Sammy Hagar, ex-vocalista do Van Halen e autor da canção.

Para muitos, era a grande chance de mostrar uma boa realidade do que era o mundo do heavy metal depois do estouro do Metallica, em 1991, e a consequente ascensão do grunge, no ano seguinte, que devastaria o mercado e jogari bandas importantes de rock pesado para o limbo.

Oportunidade perdida, “Rock Star” é apenas um filme ruim que ainda tem dificuldades até mesmo para virar cult. Está esquecido, com razão, pelos fãs de heavy metal.

P.S.: Este texto foi inspirado pela lembrança da existência do filme pelo bom site Igor Miranda, dedicado à música.