Capa de ‘The Dark Side of the Moon Redux’, de Roger Water (IMAGEM: REPRODUÇÃO/DIVUGAÇÃO)
Uma das regras não escritas do rock, que se estende à música pop, é a de que não se regrava clássico, seja qual for o pretexto – gravação precária, mixagem ruim, masterização medonha… Quem burla essa “lei” fatalmente chafurda no fracasso. No máximo, uma versão acústica, bem de acordo com a moda resgatada pela MTV nos anos 90.
As “atualizações” ou “modernizações”, como muitos dos “hereges” costuma dizer, seriam uma forma de “apresentar” velhos sucesso para “novas gerações” – como se estas estivesse muito interessadas em clássicos recauchutados.
O U2 cometeu esses pecado para comemorar (então) 45 anos de estrada e 40 anos do álbum “War”, que contém alguns de seus maiores clássicos. “Songs of Surrender” lançado no começo de 2023, mascarou a falta de inspiração em 40 versões de canções de seu catálogo em formato semiacústico no estúdio. Não ficou bom.
A banda inglesa Saxon, de heavy metal, achou que tinha de regravar e “modernizar” 14 sucessos seus dos anos 80, em uma tentativa de “melhorar” o que era fantástico e símbolo de uma era, por mais que as originais estivessem meio abafadas e sem uma boa mixagem, As “novas versões” perderam a espontaneidade e o vigor, soando perfeitinhas demais Não ficou ruim, mas decepcionou.
Os exemplos são muitos, e quem decidiu entrar neste pântano perigoso foi o ex-baixista do Pink Floyd Roger Waters. Aos 80 aos, milionário e com um legado extraordinário, está mais preocupado em fustigar o desafeto que virou inimigo, o guitarrista Dvid Gilmour, ex-companheiro de Floyd.
Os dois lideravam a banda e viviam às turras até 1977, quando os conflitos foram publicamente declarados interna e externamente após o lançamento do álbum “Animals”.
O rompimento definitivo ocorreu oficialmente em 1984, quando Waters entrou na Justiça para acabar definitivamente com a banda. Gilmour e o baterista Nick Mason ganharam a ação e puderam seguir em frente. A paz judicial foi selada em 1987, com uma concessão ao ex-baixista: este ficaria com os direitos da obra “The Wall”, escrita em sua maioria por Waters.
Desde então, o ressentido Waters nunca perdeu a chance de alfinetar Gilmour de todas as formas – nem mesmo as tréguas de 2005, no Live 8, e em 2011, quando o guitarrista e Mason fizeram uma aparição surpresa em show de Waters em Londres, amenizaram o clima.
O baixista resolveu regravar, de sua forma e com a sua visão, a obra-prima “The Dark Side of the Moon”, acrescentando novos arranjos e “revisando” o conceito, tudo para espicaçar Gilmour e Mason. Eliminou solos de guitarra, reescreveu arranjos de teclado e bateria e mudou o andamento das músicas. Tudo semiacústico e sonolento. Virou “The Dark Side of the Moon Redux”.
O álbum está nas plataformas digitais e os maiores temores se confirmaram. As três canções lançadas em formato single e assustaram um conhece e gota da obra original. “Money” e “Time” foram desfiguradas, em uma tentativa de “jazzificar” algumas partes e, em outras, de forçar um clima “dark folk”. Não ficou bom.
“Money” foi desacelerada e desidrata dos imponentes arranjos de sopros. A guitarra sumiu e deu lugar a um violão que retirou toda a dramaticidade, sagacidade e força da canção. Os vocais tétricos de Waters também minaram a força da canção original, tornando-se um pastiche do estilo de Tom Waits.
“Time” perdeu o sentido ao ser registrada em velocidade menor, com violões sem inspiração, sem os vocais de apoio estupendos e com a perda e ritmo nesta versão alternativa semiacústica.
Voltando a “the Dark Side of the Moon”, “Us nd Them”, foi destruída, transformada em um som do tipo “lounge” – insípida, inodora e incolor -, bem adequada a um elevador de prédio não muito alto ou consultório de dentista com mau gosto musical. Deliberadamente o músico a piorou.
“Breathe”, emendada com “Speak to Me” na versão single, enfraqueceu de tal forma que não se sustenta, mesmo com os pomposos arranjos de cordas que tentam mascarar a falta de ideias em “Us and Them”. O saxofone da versão original desta última desapareceu.
Também desidratada, “Brain Damage” perdeu a sua dramaticidade e seu sarcasmo: virou uma canção cantada por um crooner de jazz se inspiração. Os arranjos que tornavam canção memorável também desapareceram.
Talvez o termo correto aqui, além de pirraça, seja falta de inspiração. Faltou a criatividade para transformar canções icônicas em algo diferente e condizente com a sua importância. As versões sombrias e opacas dão o tom do disco.
Se é um ato corajoso revisitar de forma radical o próprio catálogo, quem o faz de forma inventiva merece muito crédito, como o baterista Stewart Copeland, ex-The Police, que gravou praticamente ao vivo uma série de clássicos de sua antiga banda em formato jazzístico e com vozes femininas.
De tão surpreendente e inesperado, o resultado ficou bom, acima das expectativas, até porque elas eram baixas. Foi um caso raro de sucesso, e que deveria servir de parâmetro para quem se arrisca neste pântano perigoso.