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Cena de ‘Stranger Things 4’com a execução da canção do Metallica (FOTO: DIVULGAÇÃO/REPRODUÇÃO)

Muita gente comemorou quando a série de TV norte-americana “C.S.I.” e suas ramificações utilizaram “Who Are You”, clássico de The Who de 1978, como canção de abertura e encerramento dos episódios. A música explodiu em todas listas de mais executadas e procuradas pela internet. Finalmente o classic  rock estava sendo redescoberto por uma geração jovem que, aparentemente, parecia cansada da música pop plastificada do começo dos anos 2000.

Subitamente, The Who voltou a ser ouvido e consumido, carregando na bagagem bandas como Led Zeppelin (que faria um único concerto de reunião em 2007), Rolling Stones e Deep Purple. Seria uma espécie de redenção? 

Fenômenos pop como esse se repetiram ao longo deste século, alavancados pela TV, cinema ou publicidade. A boa da vez é o Metallica, que teria sido “redescoberto” por uma molecada que assiste ao seriado “Stranger Things”, ambientado nos anos 80. Um episódio da quarta temporada usou e abusou da música “Master of Puppets”, que acabou viralizando.

É sempre interessante esse resgate, assim como está acontecendo no Brasil com “Ska”, música das menos interessantes dos Paralamas do Sucesso e que está em alta por ser abertura da novela “Cara e Coragem”, da TV Globo. O trio de Brasília radicado no Rio de Janeiro também está “viralizado” por conta de uma música que foi lançada há 40 anos. “Master of Puppets” tem de 36 anos.

À primeira vista, o que essas circunstâncias significam? A rigor, nada, ou menos do que nada. Novelas da TV Globo e filmes de Hollywood abusaram muitas vezes da música erudita e do blues e, em raras exceções, houve um pequeno interesse de resgate de obras antigas.

O filme “Amadeus”, do começo dos anos 80, provocou uma febre rápida a respeito das obras de Wolfgang Amadeus Mozart, tema principal do filme, e até a gravadora alemã Deustche Gramophone sentiu que suas vendas de LPs e alguns CDs (novidade na época) tiveram alta nas vendas. mas não durou.

Anos depois, foi a vez de “exumarem” o bluesman americano Robert Johnson, a lenda, por conta do filme “Crossroads”, que ficou famoso pelo duelo de guitarras entre o demônio (Steve Vai) e o mocinho que tentava salvar almas (Ralph Macchio, de “Karatê Kid”, que dublava a guitarra do monstro Ry Cooder).

Gravadoras correram para reeditar as “obras perdidas” do mito do blues, e o LP duplo “King of Delta Blues” se tornou um campeão de vendas por seis meses, dando algum fôlego ao blues, então um gênero underground novamente.

Stevie Ray Vaughan, Eric Gales e Robert Cray, exímios guitarristas, se beneficiaram do surto de interesse pelo blues da época, mas isso não foi o suficiente para resgatar o gênero do underground.

Está vivo!

O súbito interesse por Metallica parece seguir a mesma trilha, mas bastou a música ter sido incluída na série do momento para que novos debates inflamados aparecerem para opor aqueles que vivem assassinando” o rock, dando-o como morto, e aqueles que juram que o gênero não morreu e que está forte – e ficará mais forte com os mais jovens de hoje redescobrindo bandas clássicas do rock e do heavy metal.

Uns vão continuar insistindo na tese da morte – “Eu te disse!”, gritarão -, enquanto outros vão negar até o fim dos tempos o que a realidade mostra: a perda de espaço do rock dentro da música pop e o interesse dos jovens de hoje.

O espaço para o rock é respeitável e alguns lançamentos reverberam bastante, mas o espaço diminuiu m todo o mundo. 

O pop eletrônico e o rhythm and blues americano, além do rap, são as grandes forças que movimentam o que restou de uma indústria do entretenimento baseada na música, quase sempre associada a games e novidades tecnológicas.

O rock movido a guitarras parece ser algo de outro mundo, ou de uma era bem longínqua no passado. Já faz tempo que é possível gravar álbuns razoáveis no quarto de um adolescente, munido de um bom equipamento de informática. Para que instrumento musicai?

Não é uma lógica dominante e determinante, mas inspirou muita gente a fazer a sua própria música de matizes eletrônicos sem a necessidade usar guitarra ou bateria – é bom ou ruim? Ainda não sei – e sem se aprofundar no estudo da música – algo bem ruim, em todos os sentidos.

Diante disso, é necessário voltar ao tema: o rock não fala mais a linguagem dos jovens e tende a se tornar algo como o blues é hoje (e faz tempo): música de nicho, de um grupo restrito de apreciadores. 

O número de rádios dedicadas ao rock diminui no mundo, em grande parte, por conta desse cenário. Em São Paulo, das mais de 40 emissoras em FM, só duas tocam rock. Na Finlândia, a pátria do heavy metal, existem apenas quatro. 

Circunstancial e passageiro

A celeuma em razão da série Stranger Things 4″ e dos rocks em sua trilha sonora também lembra um pouco o bom gosto da trilha sonora de “Homeland”, série estrelada por Claire Danes e Mandy Patinkin quase toda composta por clássicos do jazz e alguns temas de artistas do gênero mais experimentais. Aumentou o interesse nos streamings por gente como John Coltrane, Miles Davis e Kamasi Washington (saxofonista que aparece tocando ao vivo no último episódio da oitava e última temporada).

Com menos ênfase, movimento semelhante foi registrado quando surgiu “Supernatural”, série de terror que durou 12 temporadas, com sua trilha sonora repleta de clássicos do rock e nomes novos do rap e do blues. O guitarrista Ted Nugent e a banda Allman Brothers creditaram um surto de interesse novo por sua música, e repentino, ao seriado.

“Blacklist” (“lista Negra” no Brasil), que atualmente está em sua nona temporada sempre estrelada por James Spader, também fez (ou pelo menos atribui-se em parte) crescer nos últimos anos o interesse por bandas como ZZ Top, Creedence Clearwater Revival e e cantores como Lou Reed. 

Portanto, são vários os exemplos que podem ser pescados no passado recente que não foram capazes de resgatar o rock de sua situação. Há que diga que, na verdade, o rock em 2022 tem o tamanho que sempre deveria ter tido e o período que vai de 1965 a 1995 foi uma grande exceção…

Bem, é um período bem extenso para ser uma “exceção”… Por outro lado, é bastante improvável que repita os estouros de venda e interesse dos anos 80 e 90, por exemplo. 

Buscando a sobrevivência

A quebra da indústria fonográfica neste século prejudicou muito os artistas, mas principalmente os de rock, acomodados havia anos na estrutura antiquada e obsoleta das gravadoras. Os ramos da country music, do rap/hip hop e rhythm nd blues atual souberam se reinventar e usufruir dos benefícios de certa gordura dos bons tempos. Conseguiram se manter autossustentáveis em gêneros onde o público consome mais – e não necessariamente só a música.

Por que a country music continua atraindo uma certa população jovem bem grande nos Estados Unidos nos dias de hoje? 

Uma possível explicação é a mesma a respeito do domínio do sertanejo no Brasil: investimento pesado em todos os sentidos e aposta certeira em temas pop e mais acessíveis, quando não repetitivas. Sem polêmicas, sem ativismo, sem cabecismos… Nada que obrigue a pensar muito… Afinal, é só entretenimento.

Acertaram no alvo, porque, aparentemente, é o que jovem ocidental, em sua maioria nos últimos anos, vem desejando. Na Europa, gêneros locais crescem junto com a música eletrônica, diminuindo o espaço do rock. 

O mesmo se pode dizer do rap e do rhythm and blues nos Estados, que cantam os temas que a galera quer ouvir – com uma notável queda de interesse pelo gangsta rap, aquele movido a letras machistas e violentas em todos os sentidos. 

O interesse dos jovens

O público de bandas de rock, de todos os tipos, envelheceu e demora a se renovar – um processo que costuma afetar torcidas de futebol de alguns times grandes de futebol, como Fluminense, Botafogo e Santros, que crescem em ritmo mais lento do que as de alguns rivais.

E isso tem a ver também com a questão do amadurecimento dos próprios artistas. Paralamas do Sucesso e Deep Purple, por exemplo, abordam temas mais maduros e considerados “sérios”.

Em “Sinais do Sim”, de 2014, os Paralamas abordam temas como o envelhecimento e a reflexão sobre a própria vida, algo que espantou os mais jovens. 

O Deep Purple, em “Infinite” e “Whooosh”, seus mais recentes trabalhos de inéditas, aborda temas ecológicos e de contestação, em certa medida, além de fazer letras que mais se parecem com crônicas do cotidiano inglês. São septuagenários que, de certa forma, não têm mais interesse em falar de amor ou de zoeira, a não ser no sentido lúdico da coisa. 

Não dá para ser determinante neste ponto – não existem estudos ou pesquisas que indiquem que esses são alguns dos motivos pra a falta de interesse dos mais jovens -, mas certamente podemos presumir que não são temas palpitantes para moleques querem se divertir à noite ou em festas de finais de semana inteiros.

Por outro lado, bandas como Airbourne, Gama Bomb e muitas outras que fazem som pesado com os velhos temas de sempre – mulherada, bebedeiras, patifarias, bullying de diversos tipos – são vistas como antiquadas e obsoletas, tentando surfar em um mundo de 30 ou 40 anos atrás.

E o punk? É algo como o blues, música de nicho em que política, ativismo e protesto se misturam o tempo todo, atraindo apenas os mais engajados ou mais revoltados, dependendo do país, do local e da banda. Ou seja, o jovem que quer se divertir passa longe…

Curiosamente, as bandas que mais tiveram sucesso em chegar perto da juventude fazem uma mistureba de tudo isso – exceto temas políticos delicados. 

Quem se sobressai

Os americanos do Greta Van Fleet e os suecos do Blues Pills fazem um som moderno e menos datado, explorando temas afinados com a atualidade, deixando o romantismo idílico de lado e abordando alguns temas introspectivos, como saúde metal, depressão, ansiedade e relacionamentos rápidos e turbulentos.

Blues Pills, com a excelente cantora Erin Larsson, está deixando o blues rock e migrando para uma espécie de soul music europeia, em um passo arriscado, enquanto que Greta Van Fleet continua com os dois pés fincados na “muleta” Led Zeppelin ao ponto de copiá-la, em alguns momentos, nota por nota. Terá de dar um passo adiante em algum momento.

Nenhuma das duas é a salvadora do rock, nem de longe, mas ao mesmo tempo mostra resiliência suficiente para calar as bocas dos “assassinos”.

Assim como o jornalismo, a música ainda não encontrou um novo modelo de negócios que a torne rentável novamente. O rock é a maior vítima dentre os gêneros musicais. Já vendeu muito, mudou a cara da cultura pop do mundo ocidental no século XX, mas deixou de atrair  massa de jovens pelo mundo. A tendência de seguir a trilha do blues e do jazz parece ser a sina se não houver uma reviravolta que consiga trazer, em assa, os jovens novamente.