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A entrevista coletiva do guitarrista inglês Peter Frampton terminara minutos antes em um hotel em São Paulo, em uma de suas passagens pela cidade, anos atrás. Muito solícito, foi cercado no saguão por um alguns fãs e jornalistas ávidos por respostas. 

Um dos repórteres não teve pudor e sacou de uma sacola um LP do Humble Pie, “As Safe as Yesterday”, de 1969, o disco de estreia da banda. Frampton pareceu surpreso, mas na verdade estava atônito. Fazia tempo que ele não via alguém lhe mostrar um álbum de sua segunda banda. Paralisado por alguns momentos, pegou o álbum de vinil, observou-o e só depois o autografou.

Quando devolveu ao dono, disparou: “Excelente álbum, som fantástico. Toquei muito nele. Lembremos sempre de Steve Marriott.” 
O ex-guitarrista e vocalista dos Small Faces e do Humble Pie morreu há 31 anos, em 20 de abril de 1991, e estaria completando 75 anos em 2002. 

Uma morte das mais estúpidas, diga-se de passagem, em sua casa no interior da Inglaterra. Exausto após uma viagem de avião vindo dos Estados Unidos, deitou na cama para descansar, mas acabou cochilando com um cigarro aceso entre os dedos. A casa pegou fogo. A imprensa inglesa especulou se ele estava bêbado ou drogado.

No ano passado, a gravadora Immediate reeditou pela enésima vez parte da obra do Humble Pie, um das grandes bandas de que fez parte.

O CD “Natural Born Boogie”, uma excelente coletânea de gravações feitas para a rádio BBC de Londres entre 1969 e 1973, com remasterização e remixagem de primeira qualidade, dá uma boa ideia do que foi a carreira do mestre Marriott.

Carismático e temperamental

Bom guitarrista e carismático, o jovem Martiott formou os Small Faces para tocar covers de rhythm & blues norte-americanos e clássicos rockabilly. 

O baixista Ronnie Lane, seu companheiro de banda e exímio compositor, perturbou-o para que criassem material próprio aproveitando a voz aguda e potente de Marriott. 

A mescla de rock dos anos 50 e rhythm & blues acabou dando certo e foram contratados ainda em 1965 pela Decca como uma resposta ao Who e aos Animals, que estavam estourando na mesma praia.

O início, com os Small Faces: da esq. para a dir., Marriott, Kenney Jones (bateria), Ronnie Lane (baixo e vocais) e Ian McLagan (teclados). somente Jones está vivo (FOTO: DIVULGAÇÃO)

E, assim como o Who, os Small Faces fora adotados pelo movimento mod, fanáticos pela música negra dançante dos Estados Unidos e que caprichavam no visual elegante, com terninhos e gravatas. 

No ano seguinte, os amigos do Who – Kenney Jones, o baterista, substituiria Keith Moon na banda em 1979 – acabaram com essa história de símbolos dos mods e caíram de cabeça no rock and roll mais visceral. 

Os Small Faces ainda aguentaram até 1967 nessa pataquada, até que decidissem optar pela psicodelia e por letras mais abstratas, o que desagradou Ronnie Lane. Em 1968 o quarteto entrou em declínio, ficando fora do topo das paradas na maior parte do tempo.

Cada vez mais desinteressado, Steve Marriott começou a fazer jams com muitos músicos de Londres e começou a ficar fascinado com o blues pesado do Free, de Paul Rodgers. 

No final do ano comunicou os Small Faces que estava fora e convenceu o novo amigo, Peter Frampton, da promissora banda The Herd, a criar um novo grupo para tocar um rock mais pesado, algo entre Free e Led Zeppelin. Em 1969 surgia o Humble Pie. 

Novos rumos

Ao mesmo tempo, o trio remanescente do Small Faces – Ronnie Lane, Kenney Jones (bateria) e Ian McLagan (teclados) – se uniu a Rod Stewart e ao guitarrista Ron Wood, demitidos do Jeff Beck Group. Estava formado o The Faces, de sonoridade mais pop e folk.

O Humble Pie surgiu como um furacão e logo ocupou o lugar do Free no coração dos apreciadores de blues pesado – o quarteto de Paul Rodgers semrpe esteve envolto em conflitos internos e praticamente acabou em 1972. 

Mais entrosados do que nunca, Frampton e Marriott criaram verdadeiros clássicos do rock inglês, como “Natural Born Boogie”, “Wrist Job”, “Desperation” e “As Safe As Yesterday Is”. Mas não demorou para que o encrenqueiro Marriott começasse a implicar com Frampton, reclamando que o Humble Pie estava ficando pesado demais.

Uma das formações do Humble Pie (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Ele voltou a se interessar por soul music e rhythm and blues, enquanto que Frampton buscava algo mais acessível e pop, mesmo que fosse hard rock. As brigas constantes causaram a saída de Frampton em 1972, logo substituído por Dave “Clem” Clemson, que também era bom cantor alékm de guitarrista. 

O redirecionamento musical da banda foi imediato, mergulhando fundo na soul music clássica. O público, no começo, aprovou, mas depois abandonou o Humble Pie, que encerrou as atividades em 1975.

Volta ao passado

Marriott tentou recriar os Small Faces em 1977 com Jones e McLagan, que estavam parados desde o fim dos Faces, também em 1975. Mesmo sem Ronnie Lane, que recusou para continuar sua bem-sucedida carreira solo, a nova encarnação lançou os fracos “Playmates”, em 1977 e “78 in the Shade” em 1978. 

Novas decepções, novas brigas e novo fim. Marriott então parte para o desespero e tenta reformar o Humble Pie. Peter Frampton recusa, assim como o baixista Greg Ridley. 

Ao lado do baterista original Jerry Shirley, contrata o vocalista e tecladista Bob Tench e o baixista Anthony Jones para gravarem “Go for the Throat” em 1980.

Mesmo com as fracas vendas, ainda insistiram no ano seguinte com “On to Victory”, que teve desempenho pior ainda. O fim da nova encarnação do Pie era apenas uma questão de tempo. 

Nos anos seguintes Marriott montou bandas diversas para fazer shows solo pelo interior da Inglaterra e pela Alemanha, mas o máximo que conseguiu foi se tornar um cover de si mesmo. Quando morreu, Marriott iniciava conversas com Frampton para uma colaboração que até poderia resultar em nova versão do Humble Pie.