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Nós sabíamos, e por que só agora resolvemos encarar a corrupção nossa do dia a dia? Por que foi necessário que uma artista-celebridade ruim fosse atacada e vilipendiada para que finalmente jogássemos luz às escandalosas contratações de artistas “populares” por prefeituras diversas em festas questionáveis?

Artistas, contratantes, produtores e ministérios público de todos os matizes e tamanhos sempre souberam da bandalheira que dominava o mercado de “shows populares” pelo interior do país. 

As conversas eram abertas e despreocupadas sobre a falta de licitações e os desvios a olhos vistos de dinheiro público – que irrigavam contas e campanhas de prefeitos, vereadores e deputo. Mas só agora resolvemos acreditar e se indignar?

Somos muito culpados por manter nossa indignação no capo das ideias e nas mesas de bares. Nunca cobramos o suficiente o Ministério Público para apurar de onde saíam os R$ 800 mil de cada cachê dos execráveis artistas do sertanejo e do pagode que vivem de tomar dinheiro de prefeituras.

Nunca cobramos ou fiscalizamos o suficiente nas prefeituras e nas Assembleias Legislativas para saber sobre os tais shows em feiras agropecuárias. 

Nunca cobramos os fiscalizamos as contratações de shows populares nas periferias das grandes cidades, onde as conversas eram explícitas sobre “você receberá tanto, mas declarará que pegou tanto…”

Anitta foi explícita a esse respeito, assim como Marília Mendonça, que morreu no ano passado, cansou de denunciar que não conseguia fazer shows de graça, de verdade, porque os políticos de cidades pequenas não deixavam, já que “exigiam” pagar os cachês – qualquer cachê.

Sempre soubemos, desde os anos 90, que esse mercado era podre e recheado de corrupção de todos os tipos envolvendo dinheiro público. 

Cansamos de saber a respeito de cidades que estavam em estado de calamidade pública, acossadas por tragédias naturais (ou não), com dificuldade para pagar salários do funcionalismo ou de colocar em funcionamento escolas, masque não perdiam a oportunidade de contratar duplas sertanejas caras e de sucesso para o “aniversário” da cidade. De onde vinha esse dinheiro, pago sem a realização de licitações e editais. 

Sempre soubemos disse e não fizemos nada. A indignação atual é tardia e ineficaz porque naturalizamos esse tipo de coisa e nunca consideramos, de fato, que tais “contratações fossem graves o suficiente para que merecessem investigações.

Tivemos a capacidade de acreditar na balela de que tais shows e circuitos “geravam empregos e movimentavam as economias das regiões”, ainda que irrigados irregularmente e criminosamente com dinheiro público desviado de cofres paupérrimos. Naturalizamos isso e consideramos “normal” por mais de duas décadas.

E não nos iludamos: artistas de rock e de outros gêneros, bem intencionados, participaram, em menor escala e de forma ingênua na maioria das vezes, deste quadro sombrio que mancha parte da cultura nacional.

E não nos iludamos: se tivessem a chance, muitos artistas de rock excluídos ou marginalizados participariam de bom grado de “shows” irrigados com esse tipo de dinheiro podre. Oportunidades não vieram, o que os livrou de ter de se justificar…

Continuamos votando e elegendo políticos nojentos que se perpetuam no poder para enriquecer e aparelhar o mundo da coisa pública com gente criminosa. 

Todos os dias algum jornal e alguma TV brasileira noticia a descoberta de algum “esquema” e ou forma de desvio de dinheiro público, coisa que ficou mais escandalosa e “normalizada” no mundo bolsonarista que tomou conta das esferas políticas desde a eleição do nefasto presidente Jair Bolsonaro.

Ele não trouxe ou inaugurou a corrupção, mas sua leniência, incapacidade, incompetência e ignorância potencializaram o que já era endêmico. E o presidente nunca se esforço para espantar o rótulo de “corrupto que deixa a corrupção grassar”, a ponto de normalizar “certas práticas” e de negar o óbvio. Afinal de contas, é o presidente acusados de patrocinar e exigir as “rachadinhas” e acusado de estimular  negociatas com vacinas…

O mundo bolsonarista não inaugurou, mas se refestelou com dinheiro público de tal forma que muitas das tais “práticas” ficaram associadas ao governo de viés fascista que nunca teve a intenção de combater a corrupção. 

A prova disso é a infestação de pastores evangélicos asquerosos e corruptos no Ministério da Educação – para não falar em militares incompetentes e “negligentes” (para ser elegante) que seguem empesteando  administração pública.

Poucas coisas evidenciam tão eloquentemente o nosso fracasso enquanto sociedade do que esse lamentável caso dos cachês milionários que artistas tomaram de cidades paupérrimas ao longo de quase três décadas. Foi necessário que o país se dividisse e polarizasse de tal forma para que déssemos conta de como fomos levianos e cínicos no trato com o dinheiro público na área da cultura.

A natural onda de cancelamentos de eventos e anúncio de “investigações” faz parte do modelo e “causar barulho para manter a coisas como estão e como sempre foram”. 

Depois das eleições de novembro, logo voltaremos à vida normal, com artistas caros sendo contratados pra festas públicas de final de ano ou de carnaval, nas cidades onde o poder público se responsabiliza pelos cachês.

É meio constrangedor falar em “pontos positivos” diante dos seguidos escândalos envolvendo o mundo podre dos sertanejos e da farra dos cachês milionários com dinheiro público – assim como outros eventos, estes são a “cara” dos tempos bolsonaros, em que os “cidadãos de bem” fazem no privado o que criticam em público.

Que tais escândalos sirvam, ao menos, para extinguir o mundo bolsonarista de nossas vidas e de promover um “saneamento” moral em todos os sentidos na vida nacional e resgatar o espírito público de realmente oferecer lazer e cultura de qualidade à população. O saneamento começa nas próximas eleições, votando certo contra o fascismo e o mundo podre bolsonarista.