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Uma das bandas mais interessantes do cenário atual do rock brasileiro lança hoje seu mais recente álbum “Tupã-Rá”. Finalizando a trilogia iniciada com “Brutown” (2016) e “Vulcão” (2018), o álbum traz canções recheadas de mensagens positivas, apesar do momento em que vivemos.

 O Combate Rock conversou com Julico Andrade, guitarrista e vocalista da banda, que também atuou como produtor do álbum. Leia abaixo trechos da entrevista.

 Em um cenário de pandemia, com muitas mortes, de onde que vem o otimismo que permeia “Tupã-Rá”?

Cara, eu acho que tem uma onda que segue o conceito dos três discos, onde no “Brutown” eu me via no olho do furacão, no meio do caos sócio-político, revoltado e o álbum tinha uma temática mais densa, mais crítica. O “Vulcão” já tinha uma temática mais instrospectiva, de auto-reconhecimento, de fuga do sistema. Aí, o “Tupã-Rá” é um resultado destas vivências, muita coisa aconteceu neste tempo. E mesmo neste momento tão delicado, eu queria fazer uma mais dançante. Eu não queria ser sugado pela onda de más notícias que a gente tem passado com este governo.

E por mais que elas tenha uma sonoridade mais dançante, elas tem uma puxada de orelha, um olhar crítico a essa sociedade. Ele não é um disco que só fale de coisas boas, mas ele provoca boas coisas. Eu recebia mensagem de amigos que estava passando mal, com depressão e eu não queria reforçar este sentimento mórbido da pandemia e aí, eu fui para o caminho contrário. É um álbum mais ligado aos grooves, ao ritmo.

 

O som dos Baggios foi incorporando, ao longo do tempo, além do blues estadunidense e música nordestina, o som do norte da África, a polirritmia. O nome, “Tupã-Rá”, indica que tem alguma coisa de música indígena, também?

Musicalmente falando não. Mas Tupã representa o Brasil, né, cara? Eu estava lendo um livro chamado “A Queda do Céu”, que é sobre a história de uma tribo Yanomani, que foi atacada por décadas, sofreu massacres. Tupã é o deus e eu queria algo que fizesse essa conexão entre Brasil e África. Tupã é o deus-trovão e Rá é o deus-sol, na cultura egípcia e eu queria fazer essa conexão entre o Brasil e a África. A Baggios nunca foi uma banda essencialmente brasileira, sonoramente, então quando eu penso no título do disco, eu penso no que vai englobar o repertório, aquele universo. Quando eu canto em “A Chegança”, eu cito o deus-trovão porque tem a ver com o sertão, chuva, tal.. Musicalmente falando, eu posso dizer que não ter ligação com o universo indígena, mas liricamente eu vejo uma ligação entre estes universos, é onde eu percorro, é onde minha mente vai.

Ouvindo o álbum, dá para ver que ele foi pensado como vinil, lado A, lado B.

É isso. O lado A é pós-“Vulcão”, que tem uma crítica social, apesar do som dançante. Aí, vem quando vem “Deixa Raiar”, com uma mensagem mais solar, tem um outro lado. No caso da Baggios, ela nunca teve uma coleção de músicas, sempre teve um fio condutor, uma vibração, uma energia. Daqui a um ano, as pessoas vão perceber que existe uma diferença grande entre ele e os nossos outros álbuns, a gente absorve muita sonoridade diferente, tentando nos conectar cada vez mais com a sonoridade brasileira. Tem muita coisa para ser descoberta e essas coisas acabam sendo incorporadas em nosso trabalho.

Como é que é pensar em um produto assim em uma época de single, em que o algoritmo acaba decidindo o que as pessoas ouvem?

Pois é, aí que vem a parte do romantismo, né? (risos). Eu vejo que fazer álbum para mim é uma experiência muito profunda, necessária, que me alimenta como artista. E também tem muitas pessoas que, mesmo tendo uns vinte e cinco anos, por aí, puderam ter a experiência de ver uma capa de disco, a arte da capa, o encarte, essas coisas. No streaming não tem essas coisas, tem uma figurinha pequenininha ali.

Como foi gravar um álbum em tempos pandêmicos?

Foi bem diferente dos dois álbuns anteriores, em que fizemos uma imersão no estúdio Toca do Bandido, no Rio. Desta vez, gravamos aqui em Sergipe, em dois estúdios. A bateria e os metais foram gravados no Maca Records. Além de ser um ótimo estúdio, a equipe técnica já conhecia nosso som e isso foi bem positivo. O restante foi gravado no estúdio que montei em minha casa. Isso deu muita liberdade, para a gente, inclusive com agenda – o Rafael (teclados) participa de vários projeto musicais, tem que fazer os corres dele, também.. Além do mais, foi um processo que deu mais liberdade para a gente, às vezes, eu sou meio detalhista, exigente mesmo e pude experimentar mais, sem estar preocupado com o tempo de estúdio, o preço da diária, etc.

“Tupã-Rá” conta com participações especiais do Siba, Chico César e Cátia de França. Como que foi isso?

Normalmente, já trabalhamos com convidados especiais em nossos discos e sempre chamamos quem tenha a ver com nosso som, conosco. O Siba, já conhecemos há bastante tempo, mas nunca conseguimos acertar as agendas para que ele gravasse conosco, desta vez deu certo.

O Chico César, nós também já nos conhecemos faz tempo. Nosso primeiro encontro foi em um aeroporto e nós trocamos os discos – ele deu o dele, nós, o nosso e sempre nos mantivemos em contato. Poder ter um artista como ele em nosso disco é um negócio muito foda. Já a Cátia, foi o seguinte – teve uma vez que fomos nos apresentar no Psicodália (SC) e chegamos no aeroporto e o produtor dela estava lá para acompanhar a partida da Cátia e precisava voltar para o festival e acabamos dando uma carona para ele em nossa van. A partir daí, ficamos com o contato. Eu estava ouvindo muito um álbum dela, “20 Palavras ao redor do sol” e foi muito bom contar também com a participação dela.

E como está a agenda de shows pós-pandemia? Já temos muitos lugares voltando a ter shows, quando vocês caem na estrada?

Pois é, aos poucos as coisas estão retornando. Eu andei fazendo algumas apresentações em barzinhos aqui em Aracaju, pra poder garantir um dinheiro neste período, mas não pude fazer shows de divulgação do meu álbum solo (Ikê-Maré, lançado em 2020) e também agora tem Tupã-Rá. Espero que possamos cair na estrada a partir do começo de 2020, tanto com a Baggios como com minha carreira-solo.