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 Marcelo Moreira

Uma vitória esmagadora sobre a oposição, que estrebucha e baba de raiva, com as costumeiras ameaças e baixarias de sempre. E o cantor Tico Santa Cruz se consolida como a grande voz engajada na política dentro da música nacional, e principalmente dentro do rock.

Com sua banda, o Detonautas Roque Clube, que mistura rock nacional, hip hop e pitadas de MPB, o músico comandou um contra-ataque poderoso às forças medievais de destruição da civilização e incomodou bastante com as novas músicas de teor político e de protesto.

Militante e ativista dos direitos sociais e humanos, com um viés de esquerda, mas sempre valorizando a democracia, Tico pagou caro por alguns supostos pecados do passado, como reconheceu em importante entrevista concedida à jornalista Monica Bergamo, da Folha de S. paulo, no último final de semana.

Mais centrado e maduro aos 43 anos de idade, buscou um auto-entendimento de sua posição artística e pessoal, reavaliando as crises pelas quais passou, que envolveram episódios de depressão e eventuais pensamentos suicidas. 

Dentro dessa reavaliação, buscou entender e domar a sua agressividade e as posturas as posturas arrogantes de sua juventude e tentou, quase sempre com sucesso, reconstruir pontes com seu passado, desculpando-se com alguns desafetos e redimindo-se de ataques e comportamentos que hoje considera inadequados e equivocados.

É surpreendente que um artista de sua estatura faça um mea culpa público e em um período tão conturbado da sociedade brasileira e em meio a uma pandemia mundial devastadora de covid-19.

E foi justamente a pandemia que ajudou Tico a se questionar sobre o momento de sua carreira e as consequências no mercado artístico.

Tico Santa Cruz (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Sem trabalho e sem perspectivas imediatas, encampou algumas iniciativas, abraçou a democracia e, corajosamente, decidiu partir para a linha de frente no embate contra as forças do obscurantismo e contra a erosão deliberada da própria democracia e das liberdades civis promovida por um governo de tendências autoritárias e de inspiração fascista.

“Tenho consciência que a banda foi muito prejudicada por posições e comportamentos que assumi, e isso, de certa forma, refletiu no caminho que seguimos. Poderia ter sido mais fácil e confortável? Pode ser, mas não era essa a natureza dos Detonautas e muito menos a minha”, disse Tico Santa Cruz à Folha de S. Paulo.

Diante dos desafios sociopolíticos que apareceram desde que o nefasto Jair Bolsonaro assumiu a presidência arrastando consigo a extrema-direita asquerosa (uma redundância), havia a necessidade de romper com o torpor e indignação tímida que pairava sobre a sociedade.

Enquanto os artistas inomináveis que apoiaram a excrescência se regozijavam com o estado lamentável do debate político e de ignorância que dominavam o ambiente social, a maioria da classe optava pela resignação, principalmente no rock.

As manifestações eram tímidas contra a extrema-direita e as barbaridades cometidas pelo bolsonarismo começaram a ser “normalizadas”. A ignorância começou a ser considerada uma virtude.

Desde o começo desta era lamentável os Detonautas se posicionaram contra os absurdos, mas foi com  a pandemia que a situação começou a ficar cada vez mais insustentável, praticamente empurrando a banda para o confronto. 

Manobra planejada? E daí? O resultado foi que os Detonautas mostraram um engajamento político exemplar e invejável, abusando do humor corrosivo e destruidor para criticar o governo federal e os meios políticos pela quantidade de absurdos cometidos em todos os níveis, da destruição calculada do meio ambiente à política externa de terra arrasada, passando pelos inaceitáveis casos de corrupção que cercam a Presidência da República.

“Carta ao Futuro”, o primeiro single de 2020, era uma carta de intenções e uma declaração de esperança em meio a um terrível sentimento de impotência e e vergonha diante de um fascismo vergonhoso que avançou nas Am´ricas, principalmente no Brasil.

O humor escrachado e o ataque explícito vieram com “Micheque”, uma sátira política que não deixava morrer o fato de que a primeira dama, Michelle Bolsonaro, recebeu depósitos inexplicáveis de R$ 89 mil em suas contas bancárias feitas pelo miliciano Fabrício Queiroz, ex-funcionário do senador Flávio Bolsonaro (filho do presidente) e que é acusado de corrupção.

“Kit Gay”, a terceira música e seu clipe debochado, é um ataque devastador ao moralismo direitista e bolsonarista, com espancamento dos argumentos negacionistas e religiosos dos imbecis que defendem a “moral e os bons costumes”. A canção dizima essa gentinha que se orgulha da própria burrice e que ignora a realidade.

Diante da pasmaceira que reina no mercado artístico, que é vítima preferencial do bolsonarismo e do reacionarismo ignorante, Tico Santa Cruz e os Detonautas nadam de braçada e se tornam referência política, artística e social contra o fascismo.

Com a maturidade, o cantor reforça a imagem de artista engajado, mas aberto ao diálogo. Mesmo com extremistas e “haters” Tico está sendo capaz de dialogar e de tentar compreender de onde vem tanta ignorância, ódio e desinformação. Basta dar uma rápida olhada nos comentários de suas postagens nas redes sociais.

“Não é uma questão de esquerda ou de direita, não estou me posicionando nestes termos. É uma questão de defesa de princípios e de direitos sociais e humanos. Já faz tempo que decidi tentar entender o que está acontecendo e debater em termos possíveis e razoáveis como podemos escapar de um destino que pode ser trágico”, disse Santa Cruz meses atrás em entrevista ao Combate Rock.

Detonautas gravando o clipe de ‘Kit Gay’ (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Ele ainda sofre ataques e ameaças, que são insuficientes para que ele amenize o tom. Longe de ser messiânico, acredita que tem uma missão que a visibilidade artística lhe proporcionou. “É muito fácil falar em retrocesso, em ignorância e em depredação institucional, mas fica bem mais complicado interpretar as origens desses males. Precisamos de todas as ferramentas possíveis para desarmar esses espíritos e entender como a negação e a desinformação corroem esses ambientes.”

Tico Santa Cruz não se considera obrigado a assumir liderança alguma e nem se sente uma “ponta de lança” entre os artistas engajados. Acha apenas que é um artista com certa visibilidade que pertence a uma banda relevante de música que sempre se posicionou. “Dá para aproveitar essa circunstância e contribuir com alguma mensagem positiva, seja de esclarecimento, seja de crítica. Sempre fizemos isso e a necessidade nos impele a não nos omitir.”
Os Detonautas acertaram em cheio na estratégia em 2020 e, diante de sua postura, claramente Tico Santa Cruz é um dos grandes vencedores destas “eleições” e do momento sociopolítico atual. 
Queiramos ou não, ele terá de ser ouvido diante da visibilidade que ganhou nestes tempos e da penetração que conseguiu entre o público mais jovem que descobriu seu trabalho e de sua banda. Hoje e muito mais influente e relevante do que qualquer youtuber vacilante que faz mil apostas e perde todas.