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 Nelson Souza Lima – especial para o Combate Rock

 

Formada em São Paulo no final de 2017 a Time Bomb Girls é uma das bandas mais legais do rock underground. Integrada pelas explosivas Déia Marinho (baixo/voz), Sayuri Yamamoto (guitarra/voz) e Camila Lacerda (bateria/voz) a TBG é autêntica representante do Manifesto Riot Grrrl, movimento punk rock feminista surgido em Olympia, EUA, que chega às três décadas em 2021.

O trio lançou recentemente o álbum debute “Las Tres Destemidas” (Monstro Records) fazendo um som punk rock/psychobilly de responsa e letras engajadas na busca por igualdade de gênero e direitos mostrando que passam longe de ser só “uma banda de menininhas querendo pagar de bonitinhas em cima do palco”.

Segundo a baixista Déia Marinho, a postura Riot Grrrl do trio tem o intuito de mostrar que bandas de garotas são tão capazes quanto às de meninos, incentivando outras meninas a irem para os palcos. 

“A gente sempre teve que provar mais que qualquer banda de homem. Que somos boas, que podemos tocar tanto quanto os homens em festivais, que compomos, que nosso show é bom. Esse movimento veio para nos dar forças para aguentarmos e lutarmos contra os julgamentos”, afirma a baixista.
A luta contra o machismo/sexismo está presente em canções como “Quando eu crescer”, “Save Me” e, principalmente, “Sobrancelha Selvagem” um protesto direto contra o governo retrógrado e totalitário de Jair Bolsonaro.
“Pode-se trocar “Sobrancelha Selvagem” pelo nome do atual presidente pra entender a letra. Nós como banda, visualizamos a necessidade da luta das mulheres, apoiamos e lutaremos juntas”, atesta Déia Marinho.

Abaixo, a entrevista completa, feita por e-mail, com Déia Marinho, Sayuri Yamamoto e Camila Lacerda. O trio falou de tudo: feminismo, luta por direitos, pandemia (que dúvida) e rock and roll.

Time Bomb Girls (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Combate Rock – Em 2021 o Riot Grrrl completa três décadas. Gostaria de saber qual a identificação de vocês com o manifesto que surgiu em Olympia, no estado de Washington, Estados Unidos, e segue sendo um importante marco na luta das bandas femininas em busca de igualdade e direitos.

Déia Marinho – Nossa identificação com o manifesto é na luta pela igualdade de gênero e direitos. Somos 3 mulheres fazendo punk rock, produzindo música, tocando em festivais, dando a cara a tapa em um meio que predomina a imagem masculina. Como já dizia o primeiro manifesto Riot Grrrl escrito por Kathleen Hanna do Bikini Kill “PORQUE nós estamos com raiva da sociedade que nos diz que Garotas = Idiotas, Garotas = ruim, Garotas = fracas”, a gente sempre teve que provar mais que qualquer banda de homem. Que somos boas, que podemos tocar tanto quanto os homens em festivais, que compomos, que nosso show é bom, que não somos só menininhas querendo pagar de bonitinha em cima do palco, que amamos o que fazemos. Provar, provar, provar! Esse movimento veio para nos dar forças para aguentarmos e lutarmos contra os julgamentos.

CR- Vocês se consideram uma banda Riot Grrrl? Sabemos que em 30 anos muita coisa mudou. A sociedade mudou. Como fazem um balanço destes trinta anos?

Déia – Sim! Nos consideramos uma banda Riot Grrrl! Somos meninas tocando instrumentos e cantando em meio a predominante figura masculina que toma conta dos palcos na cena underground. Mostramos que fazemos um som tão bom quanto uma banda de meninos e incentivamos outras garotas a irem para os palcos, a não se sentirem intimidadas e perceberem que somos iguais aos homens e podemos fazer o que quisermos, quando quisermos. Não só a gente! Em 30 anos de movimento Riot Grrrls, muitas meninas fizeram a diferença. Mesmo quem não toca mais. É uma cadeia de incentivo sem fim! Uma incentiva a outra. Foda demais!

CR- Muitas de vocês eram crianças quando o manifesto surgiu. De que forma forma moldadas pelo Riot Grrrl?

Déia – Eu e a Say tivemos contato com o Riot Grrrl por volta de 98, 99, alguns anos depois de surgir o movimento nos Estados Unidos, mas foi bem o ano que chegou no Brasil com Dominatrix, Cosmogonia, Menstruação Anárquica etc. Essas bandas nos moldaram com seus sons, suas letras libertárias. Já colocavam ideias que iam contra o patriarcado, contra o machismo. Colocaram em textos, letras e discursos toda a luta que queríamos ouvir para nos dar um gás para enfrentar a sociedade machista. A Cá não se envolveu com o movimento, pois ela era mais nova nessa época, mas o Riot Grrrl se envolveu com ela em meados dos anos 2000 ao entrar na cena underground e isso também a moldou para ser uma das poucas bateristas mulher no Psychobilly. Até hoje esse movimento nos afeta, nos faz ir além do que as pessoas esperam por sermos uma banda só de meninas. Nos faz querer fazer mais música, compor, tocar, fazer o que amamos independente do que pensam.

CR- Independentemente de serem ou não Riot Grrrl, de que forma sua música contribui para uma sociedade mais equânime?

Déia – O movimento Riot Grrrl luta pela igualdade de gênero, uma luta contra o machismo e o sexismo, e eu, Ca e Say, contribuímos em algumas letras como a “Quando eu Crescer” e a “Save Me” que, basicamente, questiona o que a sociedade nos impõe por sermos mulheres. Além disso, nossa música é a prova de que uma banda só de garotas faz um belo de um punk rock e, com isso, além disso, só de estarmos na ativa na cena underground e na música, fazendo algo acontecer, queremos contribuir incentivando outras meninas para realizarem seus sonhos ou vontade de tocar um instrumento ou de ter uma banda.

CR- A luta das mulheres em busca de seus direitos vai além da música. Como artistas como veem a luta das mulheres atualmente, uma vez que a ascensão de Jair Bolsonaro despertou o vírus do ódio numa explosão homofóbica e misógina sem controle. Visto o crescimento dos casos de feminicídio.

Say Yamamoto – A luta das mulheres vai muito além da música. A luta das mulheres está em todos os setores profissionais, artísticos, atléticos, em cargos corporativos, e na política.
Nós musicistas do underground, sempre estivemos em uma luta com relação a respeito e igualdade entre homens e mulheres. Mas desde que o atual governo tomou posse os atos de feminicídio vem se tornando cada vez mais frequentes e comuns, fazendo com que esse tipo de violência seja algo normal com relação a aceitação e discussão entre as pessoas. A realidade é que nenhum tipo de violência é coisa normal. Vendo isso, e consciente dessa realidade, nós protestamos tocando a música que se chama a “Sobrancelha Selvagem” (está no nosso álbum, “Las Tres Destemidas”) que é uma música de protesto contra o atual governo. pode-se trocar o nome sobrancelha selvagem pelo nome do atual presidente para entender a letra. Nós como banda, visualizamos a necessidade da luta das mulheres, apoiamos e lutaremos juntas!

CR- Muito se fala que o rock é desunido, com muitos “rock stars” egocêntricos e prepotentes. Se entre os homes há muitos atritos gostaria de saber como são as relações entre as bandas femininas.

Say – O rock já foi muito mais “star”, já foi muito desunido também, mas atualmente sinto uma força, um apoio entre bandas no qual criou-se uma cena que tem se fortalecido.
Sempre toquei com homens e algumas mulheres mas é a primeira vez que toco em uma banda somente de meninas. Entre os homens sempre existiu aquela prepotência de quem se destaca mais, quem sola mais quem é mais fodão. Entre as mulheres existe uma “sororidade” maior nos apoiamos mais e essa relação entre bandas tem ficado cada vez melhor.

CR- Vocês já tiveram contato ou tocaram com bandas gringas representativas do rock feminino? Tipo o Gossip, da Beth Ditto tocou em São Paulo alguns anos atrás, antes de terminar em 2016. Como é o contato com os grupos de fora?

Camila Lacerda – Infelizmente nunca tocamos com nenhuma banda de rock feminino de fora, ainda rs, mas seria uma grande honra tocar com várias delas. Nosso maior sonho é abrir um show pra Hinds, inclusive a Ana Perrote já curtiu algumas postagens nossas no insta onde marcamos elas, quem sabe um dia role né.

CR- O rock em geral encontra dificuldades em conseguir espaço na mídia, isso vale pra bandas masculinas e femininas. Como é a relação de vocês com a mídia e a busca de espaço pra tocar.

Camila – Como estamos na Pandemia infelizmente shows ao vivos foram todos cancelados e sem previsão de retorno, porém online as coisas estão fluindo bem. A Deia Marinho (vocal e baixo) é a principal responsável por fazer esse link nosso com as mídias, e faz muito bem diga-se de passagem, porém sabemos que se ninguém for atrás das pessoas certas, as coisas não vão cair no nosso colo, então esse contato tem que ser constante.

CR – Infelizmente a pandemia paralisou tudo. Como têm se virado com lives e divulgar o trabalho da banda?


Camila – No começo nós fizemos uma gravação cada uma na sua casa editada pelo queridíssimo amigo Rodrigo Gagliano, que ficou maravilhoso. Logo na sequencia fizemos o lançamento online do nosso primeiro CD “Las três destemidas” isso já deu um “up” pras divulgações, porém ainda estávamos com a ideia de fazer um show de estreia presencial, mas como ainda estamos nessa triste situação faremos em breve nossa primeira live de estreia do CD, inclusive já fizemos um ensaio com gravação de estúdio juntas pouco tempo atrás. Em relação a divulgação, justamente pelo fato das pessoas estarem mais “conectadas” do que antes, está rolando super bem e saímos em várias matérias legais e reportagens.

CR – De que forma as bandas femininas podem ser representativas dos anseios das mulheres em geral por busca de direitos e uma sociedade igualitária?

Say – Nós, sendo uma banda feminina podemos representar os anseios das mulheres no geral em busca de direitos em uma sociedade igualitária sendo mais compreensivas, mais solidária umas com as outras. E o mais importante, que é indo lá e fazendo o melhor para mostrar que se nós podemos, vocês também podem!

CR- Quem são suas inspirações dentro do cenário rock feminino/masculino?

Say – Nossas inspirações no cenário do rock são:X-Ray Spex, Penetration, Diabatz, The Distilers, Runnaways, Breeders, Hinds, Bikini Kill, 567’8s, Guanabatz, Rancid, the Clash, Ramones, Stray Cats, The Cramps e podemos perder o dia aqui…