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Marcelo Moreira

Há algumas coisas inexplicáveis dentro das artes no Brasil deste século XXI. Álbuns de rock que nunca passam das fitas de demonstração, apesar da qualidade, filmes que nunca chegam aos cinemas, ficando restritos aos circuitos de cineclubes, e trilhas sonoras vencedoras que mofam nas gavetas.
“Faroeste Caboclo”, filme com roteiro baseado na música indefectível da banda Legião Urbana – composição do vocalista Renato Russo -, foi um sucesso de público, embora não estrondoso, mas conseguiu uma rara unanimidade: sua trilha sonora era melhor do que a própria fita.

Tanto é verdade que ganhou o 14º Prêmio do Cinema Brasileiro na categoria melhor Trilha Sonora Original, em 2014, trabalho de autoria de Philippe Seabra, guitarrista e vocalista da excelente banda Plebe Rude, também de Brasilia.

Para alegria do músico, uma mistura de Danny Elfman (Oingo Boingo) e Trevor Rabin (ex-Yes) no quesito roqueiro que compõe trilhas sonoras, as músicas de “Faroeste Caboclo” de finalmente estão disponíveis nas plataformas digitais.
A trilha do filme foi livremente inspirada nas músicas de Renato Russo e da Legião Urbana e surpreendeu pela qualidade quem desconhecia a incursão do guitarrista pelo mundo do cinema.
No canal do artista no Youtube, a obra é parcialmente apresentada através de 11 vídeos, alguns somente com a trilha, outros acompanhados também pelos diálogos e sonoplastia.
Não foi a primeira investida de Seabra nesta área. O guitarrista sempre ousou, na Plebe Rude, ao unir o som de inspiração punk engajado com elementos de música erudita e de apelo regional. São famosas as suas colaborações com o maestro Jaques Morelembaum nas faixas “A Ida” e “Bravo Mundo Novo”, e também com a Orquestra Filarmônica de Praga.
“Faroeste foi um desafio, e confesso que fiquei um pouco reticente em aceitar a empreitada, pois estava com filho pequeno e no meio da gravação do disco ‘Nação Daltônica’, da Plebe, mas esse era um projeto diferente. O filme seria baseado no poema-mor do Renato e, como fui um dos primeiros a escutar a canção homônima, aceitei o desafio. Tenho certeza de que o Renato ficaria feliz com a minha escolha”, conta Philippe. “René é um diretor de mão cheia, e como era de se esperar, foi muito exigente. Como sempre tive muita autonomia na produção de músicas da Plebe, foi um pouco diferente trabalhar compondo para uma outra pessoa, mas no final deu tudo certo”, complementa.
As músicas, todas instrumentais, chamam atenção logo de cara pelos nomes, retirados de trechos da letra da célebre canção de Renato Russo. ‘Maria Lúcia Pra Sempre Vou Te Amar’, é certamente um dos destaques do disco, assim como “Meu Deus Mas Que Cidade Linda”, além da épica “Era Uma Menina Linda”, o tema de amor de Maria Lúcia e João de Santo Cristo, fadado no imaginário coletivo a terminar em tragédia.  

Paixão anterior ao rockAssim como a maioria dos nomes importantes do rock nacional dos anos 80, Philippe Seabra nasceu em uma família de classe média amante dos livros e das artes. Mesmo antes de mudar dos Estados Unidos, onde nasceu, para o Brasil, Philippe Seabra, então com 9 anos, começou a se apaixonar por trilhas sonoras. 

O gosto variado ia desde as trilhas orquestradas de “Tico e Teco” e “Pernalonga”, passando pelos clássicos da Disney, chegando até as de séries como “O Homem de Seis Milhões de Dólares” e filmes como o “Planeta dos Macacos”.
A primeira coisa que tocou no violão, já no Brasil, foi a melodia de “Guerra Nas Estrelas”, com 10 anos. Mas o que foi determinante para que se dedicasse a música, e futuramente a produção de trilhas sonoras, foi quando viu (e ouviu) a trilha sonora de “Contatos Imediatos Do Terceiro Grau”, de John Williams, em 1978.

“É fascinante descobrir os melhores caminhos para unir imagem e som por meio da música. É uma profusão de sentimentos e emoções que precisam convergir e dar sentido a um roteiro. Tem sido uma experiência muito enriquecedora”, disse Seabra em entrevista ao programa Combate Rock anos atrás.

Culto e muito bem informado, foi atingido por um raio chamado movimento punk na virada dos anos 70 para 80 e mergulhou fundo no som de bandas inglesas como Stiff Little Fingers e The Clash.

O caminho estava traçado e o rock tomou conta da cabeça do menino inquieto e engajado. Fundou junto com André X a Plebe Rude, com apenas 14 anos.; Ao lado de Aborto Elétrico e Legião Urbana, estabeleceram aquilo que se convencionou chamar de rock de Brasília, que também incluiria, tempos depois, nomes como Capital Inicial e, meio de longe, Paralamas do Sucesso.
No começo da década de 90, Philippe trabalhou com Alberto Salvá no curta “O Vendedor”, naquela que seria a sua primeira incursão no mundo das trilhas sonoras. Em seguida veio a chance de trabalhar com Elisa Tolomelli no longa “Manobra Radical”.

Ao voltar para os Estados Unidos em 1994 para uma longa temporada, continuou trabalhando com trilhas para a fundação Rockfeller enquanto circulava pelo underground de Nova York com sua banda americana, Daybreak Gentlemen. 

No Brasil novamente, remontou a Plebe Rude e criou o estúdio Daybreak, em Brasília, onde produziu mais de 30 discos e trilhas sonoras. Em 2013, foi convidado por René Sampaio para produzir e compor a trilha sonora de “Faroeste Caboclo”.
Atualmente, Philippe Seabra está terminando sua auto biografia e lançando junto com a Plebe Rude sua mais ousada empreitada, o espetáculo / álbum duplo musical Evolução, com 28 faixas inéditas, que será levada ao palco pelo diretor de teatro Jarbas Homem de Mello.

Ouça o álbum nas principais plataformas digitais: https://onerpm.ffm.to/philippeseabra