Raul Seixas e Ney Matogrosso saem maiores de suas cinebiografias

Um mandamento nas escolas de cinema versa sobre as armadilhas de encarar uma cinebiografia. “Evite retratar um personagem, que é maior do que a Historia”, dizem alguns professores. Ainda bem que muitos diretores resolveram esquecer essa regra – e então tivemos grandes filmes retratando gente com Freddie Mercury e Elton John.

As telas de cinema e streaming estão recebendo produções que têm como personagens Raul Seixas e Ney Matogrosso com resultados muito bons. São trabalhos de alta qualidade e que deixam os artistas ainda maiores, conseguindo captar suas essências e e mostrando o porquê de serem idolatrados e considerados gênios por muitos,

“Raul Seixas – Eu Sou” é uma minissérie do Globoplay dirigida pelos irmãos Pedro e Paulo Morelli. Com algumas licenças poéticas e intervenções estéticas ousadas, a produção acerta no tom ao dar a dimensão exata da importância artística, mercadológica e política de Raul Seixas.

Outro acerto foi a escalação do ator Ravel Andrade, que captou de forma brilhante a personalidade complexa e errática do cantor baiano. Até mesmo nos exageros estéticos o ator manda bem, acrescentando uma veracidade impressionante à história. Se em algumas cenas Andrade soa caricato, é por requisito estético da direção da fita

Também foi boa a decisão de fazer uma minissérie, estendendo s chances de explorar bastante as facetas de Raul e as muitas passagens interessantes de sua vida. O personagem ganhou profundidade com essa opção.A produção do Globoplay é luxuosa e dá um acabamento com técnicas modernas de imagem e posicionamento de câmeras – é inovador, mas lembra algumas das produções inglesas deste século.

Outra boa característica são os recursos diferentes de roteiro, que não se fixa totalmente na cronologia linear, acrescentando boas ideias a história bem conhecidas e oferecendo um conteúdo dramático diferente, um privilégio que a Globo sabe usar muito bem.

Por trás de um roteiro e uma direção mais convencionais, “Homem com H”, que retrata a vida de Ney Matogrosso tem a coragem como grande mérito. Lastreado em boas biografias e na colaboração do cantor, o diretor Esmir Filho teve a sabedoria e sensibilidade de contar a história sem arroubos de inventividade.

Não precisou disso na verdade, pois a ótima atuação do ator Jesuíta Barbosa como Ney se encarregou de carregar a fita nas costas. Ele encarnou o cantor de uma forma poucas vezes vistas no cinema nacional – encontra correspondência, talvez, na Hebe Camargo interpretada por Andrea Beltrão.

A direção segura foi feliz em retratar com realismo os dilemas do personagem e seus conflitos internos. A contextualização histórica também é um grande trunfo do roteiro, que conseguiu dar a dimensão da importância de Ney e da banda Secos & Molhados nos anos 70, em plena ditadura militar.

Como foi possível surgir uma figura andrógina, rebelde, revolucionária e contestadora durante um período de forte autoritarismo conservador – e fazer sucesso mesmo incomodando os militares?

Para contrastar a este mérito temos a passagem superficial em relação conflitos que implodiram os Secos & Molhados, da mesma forma que o relacionamento com Cazuza, nos anos 80, não ganha a profundidade que tal fato merecia.

“Homem com H” é um filme bastante interessante sobre um personagem gigante, que ganhou uma interpretação à altura. É uma das grandes cinebiografias do nosso cinema.

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