Uma canção para chamar deu sua. Extremistas de direita e bolsonaristas que lamentavam nãoter um rock para cantar em manifestações vibraram com um lançamento de julho e rapidamente se apropriaram da música – não se sabe o motivo de nunca terem abraçado canções do Ultraje a Rigor, liderado pelo guitarrista Roger Moreira, que é de direita.
“Grito de Liberdade” foi lançada pela banda paraense Stress, que tem45 anos de existência. Foi a primeira de heavy metal da América do Sul a gravar e lançar o LP do subgênero do rock.
Falando em ”combater a tirana” e em lutar pelo ”direito à liberdade de expressão”, caiu no gosto de grupos extremistas de direita que confundem deliberadamente o conceito com a liberdade de cometer crimes e de mentir dolosamente.
Roosevelt Bala, baixista, vocalista e fundador da banda, costuma participar de debates políticos nas redes sociais anos atrás com tom bastante crítico à esquerda nacional, mas est66eve longe de aderir a extremismos. Um dos álbuns mais recentes do Stress aborou o desmatamento da Amazônia com posições bastante identificadas às de grupos ecológicos importantes.
Mais recentemente, tem se apresentado nas redes sociais como “roqueiro antiesquerda”, manifestando orgulho em estar em um “seleto grupo ao lado de Bruce Dickinson, Dave Must6aine e Eric Clapton”.
Também aparece, em uma foto, paramentado com roupas verdes e amarelas e empunhando uma bandeira do Brasil, prestes a engrossar uma manifestação em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro- não custa repetir: o político está sendo jugado por vários crimes no STF, entre eles tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático.
A canção foi adotada por muitos adeptos da extrema-direita nas últimas semanas e se tornou trilha de roqueiros desse espectro político nas redes sociais. Garantiam que a tocariam à exaustão nas manifestações bolsonaristas de 7 de setembro.
Roosevelt Bala não se manifestou oficialmente ainda sobre a “apropriação” pela direita – não se sabe nem mesmo se ele tem conhecimento de tal fato.

Entretanto, muitos trechos da letra parecem ter sido escritos sob encomenda para grupos que questionam a atuação dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e atacar democracia e as instituições da República.
“Coincidentemente”, são os mesmos que gritam por anistia aos terroristas de 8 de janeiro de2023 -os mesmos que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes – e que o ex-presidente Jair Bolsonaro é vítima de perseguição política. Bolsonaro deve ser condenado pelo STF por liderar uma organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado.
É saudável e democrático que todos os grupos político-ideológicos tenham suas próprias representações artísticas. Faz parte da vida. O degradável é quando o rock é apropriado por grupo ou facções que pregam o oposto ao que o rock sempre significou: tolerância, inclusão, combate à opressão e repressão, antifascismo e difusão da democracia, além de valorizar o conhecimento e a verdadeira liberdade de expressão.
Não é surpreendente. A cada eleição músicos denunciam o uso indevido de suas canções e vão à Justiça contra isso. O presidente norte-americano, Donald Trunp, que é republicado, é um campeão recente de denúncias do tipo.
Outro presidente republicano, Ronald Reagan(1911-2994), que esteve no cargo de 1981 a 1989,foi alvo de protestos quando usou em campanhas “Born in the USA”, de Bruce Springsteen, um artista mais identificado com posições progressistas – tanto que virou alvo do governo Trump.
A canção tem um tom ufanista, mas está longe de ser uma patriotada. Valoriza os ideais americanos de tolerância e solidariedade, além de ressaltar as qualidades do trabalhador americano, como a resiliência e tenacidade.
A banda Stress é um patrimônio musical da cultura brasileira e “Grito de Liberdade” éum exemplo de competência instrumental do heavy metal nacional – bom riff e solos inspirados de guitarra. Será triste constatar que a música e a banda correm alto risco de ficarem associadas a ideias e posturas equivocadas e extremistas.