No começo parecia piada ou anedoLita de seriado cômico de televisão? Uma denúncia estapafúrdia, com abertura de inquérito pela Polícia Civil, de ofensa contra Papi Noel… Quem ofendeu? Uma banda de rock. E de que forma? Por meio de uma música…
A situação é digna de roteiro de uma minissérie como “O Bem Amado”, da TV Globo, na fictícia cidade de Sucupira, mas realmente está acontecendo com a banda punk paulista Garotos Podres.
Nas redes sociais, a banda surpreendeu nesta semana ao fazer uma longa postagem dizendo que seus integrantes foram indiciados pela Polícia Civil em em razão de uma denúncia de “ofensa religiosa” contra a figura de Papi Noel. O motivo ´é a música “Papai Noel Velho Batuta”…
O texto nas redes sociais ressalta o surrealismo da situação, abusando da ironia e do sarcasmo, mas evitando dar maiores informações sobre a situação para não dar mais muni~]ao aos fascistas de plantão.
A postagem não diz quando nem onde ocorreu o “incidente”. Também não identifica o autor da denúncia, dizendo apenas que tudo ocorreu em algum momento deste ano no Brasil.
A banda brinca um pouco com a situação, tirando sarro até certo ponto, mas deixa transparecer certa preocupação com a possibilidade de o inquérito policial se transformar em denúncia por parte do Ministério Público e, eventualmente, se transformar em processo judicial.9
Tudo isso deveria ser uma piada engraçada por realçar alto nível de ignorância em todos os níveis. Seroa só um caso de burrice se a denúncia não progredisse e virasse inquérito policial – mostrando que a ignorância é enorme e perigosa.
“Papai Noel Velho Batuta” é uma canção do primeiro álbum, dos Garotos Podres, “Mais Podres do que Nunca”, um dos maiores clássicos do punk nacional. É uma feroz crítica à sociedade capitalista que incentiva o consumismo e ignora a desigualdade social. “Papai Noel porco capitalista/Eu quero mata-lo”, diz a singela letra.
A postagem dos garotos Podres, sempre em tom sarcástico,, informa que o “denunciante, de inspiração conservadora e fascista, reclama que música ofende a religião ao desancar a figura sagrada de Papai Noel, que simboliza o Bem…”
Papai Noel, figura sagrada? Que foi vagamente inspirada nas lendas envolvendo São Nicolau difundidas na Alemanha e nos países nórdicos? Que foi criada pela Coca-Cola para potencializar as vendas de Natal, como vaticinam as lendas urbanas?
A burrice é tanta que chega a ser ofensiva à civilização e à inteligência, para não dizer que é mais um atentado à liberdade expressão. A banda bateu pesado ao lembrar que a música “driblou a censura ao ser aprovada em 1985”. É uma referência ao departamento de censura do governo federal, que inacreditavelmente existiu até 1988, três anos após o fim da ditadura militar.
A denúncia burra e absurda realça a profundidade da ignorância que domina o mundo conservador de extrema-direita – uma denúncia ridícula que é a cara d mundo bolsonarista e que está 40 nos atrasada…
Também remete a uma clássica anedota – que muita gente afirma que realmente aconteceu – do agente da repressão que prendeu o “comunsta9” vendedor de livros eu tinha em seu carro uma coleção da enciclopédia “Delta Larousse” – agente imbecil acreditou que o vendedor vendia “livro russo (“larousser”, ou seja, era um simpatizante comunista…
O episódio envolve os garotos Podres provoca alguma graça – é uma piada, mesmo que seja de mau gosto. No entanto, demonstra também como são tenebrosos e perigosos os tempos em que vivemos, em que a ignorância parece ser generalizada – e o apreço pela inteligência e liberdade de expressão, nenhum.
Surpreendente? De jeito nenhum. A ditadura militar acabou h´40 anos, mas seus resquícios ainda permanecem – afinal, tivemos um ex-presidente e generais condenados recentemente á prisão por tentativa de golpe militar.
São inúmeros os casos de decisões judiciais inconstitucionais que determinam todo o tipo de censura, inclusive censura prévia, a veículos de imprensa e editoras de livros sob as mais estapafúrdias justificativas. Neste momento, apoiar os Garotos Podres é lutar contra as trevas e a favor da democracia.