Uma lista é uma lista é uma lista é uma lista. Assim sendo, toda lista de melhores qualquer coisa, sempre é cercada de concordâncias, reclamações e ausências sentidas. Nesta semana, o podcast Discoteca Básica anunciou uma lista com os dez melhores álbuns brasileiros em todos os tempos.
Essa lista, na verdade, é a ponta de iceberg de um trabalho maior, mais ambicioso. Ano passado, a equipe, liderada pelo jornalista Ricardo Alexandre, convidou mais de 160 pessoas (incluindo este Combate Rock) para escolher os 50 melhores álbuns. O resultado será publicado em um livro, reunindo os 500 melhores colocados – você pode participar do financiamento coletivo desta publicação aqui e, claro, garantir uma cópia.
A lista inicial é esta:
1. Clube da Esquina (1972) – Milton Nascimento e Lô Borges
2. Acabou Chorare (1972) – Novos Baianos
3. Chega de Saudade (1959) – João Gilberto
4. Secos & Molhados (1973) – Secos & Molhados
5. Construção (1971) – Chico Buarque
6. A Tábua de Esmeralda (1974) – Jorge Ben Jor
7. Tropicália ou Panis et Circencis (1968) – Vários artistas
8. Transa (1972) – Caetano Veloso
9. Sobrevivendo no Inferno (1997) – Racionais MC’s
10. Elis & Tom (1974) – Elis Regina e Tom Jobim
Aqui e ali, houve ranger de dentes e reclamações: “cadê Sepultura?”, “cadê Legião Urbana?”. Não vi ainda “cadê Anitta”, mas pode ter certeza que teve alguém que, se não escrevou, pensou nisso. Eu já tendo a achar que a lista é resultado do pensamento coletivo dos votantes – fossem outros os escolhidos para participar da eleição, ou mesmo um número diferente: 10, 20, 50, 100, 200 eleitores, o resultado seria diferente.
Na minha própria lista, “Clube da Esquina” não aparece entre os dez primeiros (aparece em décimo-quinto). Aliás, esta é a minha lista com os 50 álbuns:
- Sobrevivendo no Inferno – Racionais MC’s
- Acabou Chorare – Novos Baianos
- Panis et Circenses – Vários Artistas
- Secos & Molhados (1973) – Secos & Molhados
- Africa Brasil – Jorge Ben
- Supercarioca – Picassos Falsos
- Psicoacustica – Ira!
- Da Lama ao Caos – Chico Science & Nação Zumbi
- Sampa Midnight – Itamar Assumpção
- Tim Maia Racional vol 2 – Tim Maia
- Selvagem? – Os Paralamas do Sucesso
- Gal Costa 1969 (Cinema Olympia) – Gal Costa
- Pela Paz em Todo Mundo – Cólera
- Fruto Proibido – Rita Lee & Tutti Frutti
- Clube da Esquina – Milton Nascimento e Lô Borges
- Clara Crocodilo – Arrigo Barnabé
- Refazenda – Gilberto Gil
- Beleléu, Leléu, eu – Itamar Assumpção
- Pérola Negra – Luiz Melodia
- Crucificados Pelo Sistema – Ratos de Porão
- Gil & Jorge: Ogum, Xangô – Gilberto Gil e Jorge Ben
- Bad Donato – João Donato
- Transa – Caetano Veloso
- Tim Maia Racional vol 1 – Tim Maia
- Construçao – Chico Buarque
- Carlos, Erasmo – Erasmo Carlos
- Samba Esquema Noise – Mundo Livre S/A
- Krig-ha, Bandolo – Raul Seixas
- Apresento Meu Amigo Cassiano – Caetano Veloso
- Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda – Hyldon
- Maria Fumaça – Banda Black Rio
- Galos de Briga – João Bosco
- Dança das Cabeças – Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos
- A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado – Os Mutantes
- O Inimitável – Roberto Carlos
- Samba Esquema Novo – Jorge Ben
- Fa-tal Gal a Todo Vapor – Gal Costa
- Voo de Coração – Ritchie
- Meus Caros Amigos – Chico Buarque
- Estudando o Samba – Tom Zé
- Luz – Djavan
- Geraes – Milton Nascimento
- Cinema Transcendental – Caetano Veloso
- Canto dos Escravos – Clementina de Jesus, Geraldo Filme, Tia Doca
- Manual ou Guia Livre de Dissolução dos Sonhos – Boogarins
- Chega de Saudade – João Gilberto
- Bicho Baile Show – Caetano Veloso e Banda Black Rio
- Refavela – Gilberto Gil
- Duas Cidades – Baianasystem
- Molhado de Suor – Alceu Valença
O Clube da Esquina
Em outras votações do gênero, nunca “Clube da Esquina” havia alcançado o primeiro lugar. Lançado em 1972, é resultado de um trabalho ousado: Milton Nascimento, já um artista consagrado, se aliou a dois garotos: Lô Borges (na época com 18 anos) e Beto Guedes (um ano mais velho) e, reunindo outros parceiros habituais, como Fernando Brandt, Márcio Borges e Ronaldo Bastos, gerou um álbum duplo – raridade no Brasil daquela época – encharcado de psicodelia, toques de jazz, rock progressivo, harmonias que remetiam aos Beatles e música brasileira.
Não sei se por ter sido contemporâneo de estrelas mais midiáticas na MPB como Caetano , Gil ou mesmo Roberto Carlos, Milton Nascimento acabou se situando em um segundo escalão da música brasileira. Os meninos Lô e Beto, então, mesmo engatando bem sucedidas carreiras, ficaram mais ainda escondidos dos olhos do grande público, emplacando um hit ali, outro aqui.
A partir dos anos 2000 é que, com os relançamentos de vários álbuns daquele período é que muita gente passou a ter um contato mais quente com o Clube da Esquina. A partir de então, começamos a ver seu legado – ao abandonar sua fase dancehall, o Skank mergulhou de corpo e alma nos sons esquinianos. Bandas mais novas ainda, como O Terno e Boogarins, também trazem ecos de Clube da Esquina em seus momentos mais psicodélicos. Em especial, essas duas bandas incorporaram no repertório de shows que realizaram em conjunto anos atrás, uma reverente versão de “Saídas e Bandeiras Nº 1”
No programa Combate Rock 504, dedicamos o último bloco do programa para falar de “O Clube da Esquina”e, coincidentemente, do segundo colocado na lista da Discoteca Básica, o álbum “Acabou Chorare”, dos Novos Baianos – também lançado no incrível ano de 1972.