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Historiadores e economistas consideram a década de 1980 como “a década perdida” para o Brasil. A segunda metade foi marcada pela estagflação, um fenômeno que reúne inflação alta, crescimento econômico baixo ou estagnado e alto desemprego.

Mesmo diante de um cenário desolador, onde mais da metade da população de Recife vivia em condições precárias, e a cidade era classificada pelo Population Crisis Committe, instituto de pesquisa americano entre as piores para se viver, emergiu uma vibrante cena cultural. Foi neste contexto que Chico Science & Nação Zumbi começaram a se destacar, com sua sonoridade única que mesclava hip-hop, pós-punk, funk e maracatu, uma verdadeira revolução, que viria a ser conhecida como Manguebeat.

Em 1993, a apresentação da banda na primeira edição do festival Abril Pro Rock acabou sendo responsável por atrair a atenção do eixo RJ – SP. Na plateia, o jornalista Carlos Eduardo Miranda, da revista Bizz, observou tudo e trouxe a novidade para os meios de comunicação: existia um som novo vindo de Pernambuco .

Na época, já existia o Manifesto Manguebeat, escrito por Fred 04, jornalista e líder do Mundo Livre S/A, outra banda de destaque na cena.

A partir dali, vieram os primeiros shows em São Paulo e Rio de Janeiro, onde existia um grande buxixo – quem queria estar por dentro do que acontecia de novo, ver Chico Science & Nação Zumbi, com sua potência sonora avassaladora, era obrigação.

Com as gravadoras, também não era diferente, houve uma disputa para ver quem conseguia contratar a banda. No fim, quem conseguiu o feito foi a multinacional Sony, que fez um adiantamento de 40 mil dólares – um valor impensável para um artista estreante no mercado fonográfico – e colocou seus novos contratados para gravar no mítico estúdio “Nas Nuvens”, no Rio de Janeiro, com produção do incensado produtor Liminha.

“Da Lama ao Caos”, o álbum de estreia, reúne a potência das alfaias de maracatu, com a guitarra metal de Lucio Maia e as letras certeiras de Chico Science. Porém muita gente ficou decepcionada com o resultado, pois se entendeu que o disco não fazia jus à performance sonora dos shows ao vivo. Olhando em retrospecto, entende-se que não existia ainda tecnologia disponível para gravar adequadamente as alfaias em estúdio – a única alternativa seria abraçar de vez a eletrônica, talvez. O guitarrista Lucio Maia, em depoimento dado ao podcast Alt.Cast, disse que Liminha lapidou muito o som da banda, distanciando do som ao vivo, mas que o resultado é positivo: “Olhando, o disco é muito bom, mesmo. É irretocável”.

Hoje, trinta anos depois, “Da Lama ao Caos” é um álbum que continua atual, sendo símbolo do último grande movimento cultural do país, o Manguebeat.