A delicadeza da interpretação d “Palhaço” é emocionante. O trio liderado pela pianista de mãos suaves e toques sensíveis era mais do que reverente à obra do mestre Egberto Gismonti: era a própria essência do que o músico imaginou.
“Não é só a questão de ter ouvido tal música a minha vida inteira. Tem a questão do estudo profundo de uma obra complexa e instigante que é um marco na carreira dele e na música brasileira”, diz Bianca Gismonti, a filha do maestro brasileiro internacionalmente aclamado.
Bianca conversou com o Combate Rock sobre o resgate da homenagem que fez ao pai anos atrás. “Gismonti 70” resgata alguns dos clássicos do pai em apresentações concorridas pelo Brasil.
O DNA está ali, e suas apresentações dão nova forma ao repertório maravilhoso. É uma abordagem que mistura uma postura de música erudita em toques triunfantes de jazz. É música sublime, que emociona. É música que toca na alma.
Muitos filhos de gênios costumam considerar a genialidade de pais e mães como um fardo – com não entender os dilemas dedinho, o filho goleiro de Pelé(1940-2022), o maior de todo os jogadores de futebol? Nada mais fora da realidade no caso da pianista brasileira.
Bianca não cansa de reverenciar o pai e faz questão de salientar a genialidade de Egberto, hoje com 77 anos, e o privilégio que é poder conviver com ele desde que nasceu. “A música sempre foi presente o tempo todo em minha casa e cresci vendo meu pai tocar e trabalhar. Meu ingresso no mundo da música foi natural e é um privilégio desfrutar de uma presença tão luminosa.”
Ela não escapou do crivo de Egberto, com quem tocou inúmeras vezes, mas isso só aumentou a admiração que sente pelo maestro. Ele e crítico, mas nunca deixou de apontar onde se poderia melhorar e, principalmente, de estimula a busca por uma qualidade artística plena. “Faz tempo que não nos apresentamos juntos e estamos combinando isso antes de ele completar 80 anos e eu ter de atualizar o nome do meu espetáculo.”
Grande homenagem
Bianca retomou as apresentações no Rio d Janeiro e em São Paulo em homenagem ao pai. Em 2017, Egberto Gismonti completou 70 anos e sua filh sentiu que a maior homenagem e o maior presente seria o de tocar a sua música.
“Foi um período de intensa emoção, já que as suas composições traduzem parte da minha história pessoal. Desde o meu nascimento – e até hoje – venho acompanhando de perto as suas infinitas sementes desabrocharem em árvores grandiosas”, conta a artista. No repertório, músicas como “Palhaço”, “Lôro”, “Maracatú” de Egberto.
A banda é formada por Bianca Gismonti (piano e voz), Bruno Repsold (baixo) e Julio Falavigna (bateria), marido de Bianca. O álbum “Gismonti 70” – gravado em 2018 em Budapeste, capital da Hungria – seria mixado (e lançado) em2020, mas a pandemia atrapalhou os planos.
Só em 2024, Bianca finalizou o projeto registrando as fotos que ilustram o trabalho. “Eu queria que as fotos fossem feitas no ambiente onde morei com meu pai até os 18 anos e aonde ele vive até hoje, que é o seu acanto de silêncio e grandiosidade; como um museu de arte da própria vida”, revela Bianca.
Assim como Bianca, o músico Julio também possui uma história pessoal com a música de Gismonti. “Durante minha adolescência Egberto e Hermeto eram a fonte para quem buscava caminhos criativos como compositor ou músico instrumental no Brasil”, conta o baterista Julio Falavigna.
Após 9 anos da ideia original, a filha presenteia o pai com este álbum lançado pela gravadora húngara, Hunnia Records; que irá imprimir em versão física e está disponível a partir de junho de 2025.
“Ser filha de Egberto é receber uma dádiva das energias celestiais. Ser tão próxima dele significa regar esta dádiva a cada dia. Seguir escrevendo a história sonora da família Gismonti nos faz acreditar que o cultivo determina que a raiz e as folhas estejam conversando e florescendo em eternidade. A música do meu pai segue representando a minha certidão de nascimento”, conclui Bianca.