Escolha uma Página

Como muitas outras histórias de mulheres pretas, a história de Anna Mae Bullock já estava traçada desde o momento em que nasceu: pobre, miserável, seu maior desafio seria sobreviver.

Ainda pequena, seus pais, em busca de melhores condições, partiram para empregos em outros lugares e ela e suas irmãs foram separadas. Anna Mae ficou sob responsabilidade de sua avó, que praticamente a criou. Depois, já trabalhando como garçonete, acabou conhecendo Ike Turner, que mudaria sua vida, para o bem e, principalmente, para o mal.

Se Ike Turner logo reconheceu o talento de Anna Mae, logo assumindo o nome de “Little Ann”, e depois de TIna (em menção à personagem “Sheena, The Queen of the Jungle”), ele também acabou se transformando em seu algoz. Não muito tempo depois de iniciarem sua vida conjugal, Ike passou a submeter Tina a uma série de violências, morais e físicas.

A carreira podia ir de vento em popa, engatando sucesso após o outro. Em 1966, uma das melhores gravações, “River Deep, Mountain High”, ironicamente produzida por outro abusador de mulheres, Phil Spector. Tina Turner costumava dizer que, de tantas vezes que teve de repetir takes desta gravação, completamente encharcada de suor, só conseguiu concluir a sessão depois de tirar a blusa e ficar somente com sutiã.

Em um país em que a segregação racial era lei, a dupla influenciava não apenas bandas e cantores de rhythm & blues, como bandas de rock, não somente americanas mas também as da invasão britânica. Muitos dizem que foi Tina que foi quem ensinou MIck Jagger a dançar (ok, James Brown diz que foi ele, mas aí, acho que podemos chegar a um consenso). Janis Joplin que, para muitos, foi a melhor cantora de rock, não tinha nenhum receio em apontar Tina Turner como referência: “She’s the best chick ever”, ela disse certa vez.

Janis, sobre Tina Turner

Vítima de diversas violências, tendo tentado se matar, ainda no fim dos anos 1960, Tina acaba se separando de Ike em 1976. Para tanto, ela teve que fugir de casa, somente com a roupa do corpo e poucos centavos. No processo de divórcio, Ike ficou com a grana, Tina manteve o nome. E foi com isso que ela reconstruiu sua carreira.

Com imensas dívidas que ela assumiu por conta do divórcio, ela encarou temporadas se apresentando em cassinos em Las Vegas, O que era considerado o fim da linha pra muita gente, para Tina foi o recomeço. Conseguiu pagar suas dívidas e, depois de alguns albuns solos fracassados, ela conheceu o produtor australiano Roger Davies. Ele acabou sugerindo uma nova orientação: canções com um acento mais pop, mais românticas. Tina, a princípio, relutou, ela queria mais punch, mais guitarra. No fim, Davies conseguiu comprovar que ele estava correto: a partir de baladas pop, como as que surgem no álbum “Private Dancer”, Tina vira superstar, com direito a grandes turnes internacionais, grandes contratos de patrocínio, muita visibilidade e dinheiro para ela. No documentário “Tina”, que está disponível na HBO Max, há cenas de um apoteótico show dela no estádio do Maracanã, que acabou virando marca no livro de recordes do Guinness, com o maior público em um show pago: 180 mil pessoas.

Trailer do documentário “Tina”, disponível na HBO Max

Com esta retomada, Tina também ganhou espaço no cinema, mesmo tendo tido uma experiência anterior, nos anos 1970, onde ela interpretou a “Acid Queen” na ópera-rock Tommy. A partir dos anos 2000, ela foi diminuindo o ritmo. Seu último álbum solo foi de 1999 e depois disso, foram duas turnês. Com isso, ela se aposentou, casou-se novamente, foi viver na Suíça e renunciou à cidadania americana.

Contrariando as estatísticas, Tina driblou o destino pré-traçado para mulheres como ela, preta e pobre. Tina foi invencível. The best.