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Poucos, ou melhor, nenhum personagem da história do rock foi tão humilhado e atacado quanto Yoko Ono. Seu crime foi ter se casado com John Lennon. Durante muito tempo, a ela foi atribuida, falsamente, a responsabilidade pelo fim dos Beatles.

John Lennon e Yoko Ono se conheceram em 1966, na galeria de arte Indica, em Londres. Ono já havia se estabelecido como artista plástica nos Estados Unidos e também desenvolvia trabalhos envolvendo música experimental, em colaboração com gente como John Cage. Alheia ao mundo pop, ela pouco sabia sobre Lennon e tampouco acompanhava o trabalho dos Beatles. Mas isso não impediu que um se interessasse pelo outro, a ponto de se apaixonarem.

No entanto, havia problemas: ambos eram casados e o caso começou a ganhar contornos de escândalo. No livro “A Batalha Pela Alma dos Beatles”, de Peter Doggett, que narra em detalhes os últimos dias da banda, existe uma passagem, anterior ao relacionamento entre Yoko e John em que ela é descrita por uma publicação inglesa como uma “mulher sexy”. Em pouco tempo, essa percepção mudou radicalmente e ela virou, para a opinião pública, uma bruxa.

Além do machismo, os ataques à Yoko Ono também tinham outros ingredientes: racismo, xenofobia e etarismo. Ser asiática, distante dos padrões de beleza vigentes, estrangeira e mais velha que Lennon, Yoko Ono virou o alvo predileto de jornalistas, fãs dos Beatles e haters – além de ter que enfrentar resistências dentro da banda que seu amado havia criado, ainda na adolescência.

Ao longo de todas essas décadas, muita gente criou resistência à figura e ao trabalho de Yoko Ono, sempre objetos de comentários sarcásticos e desrespeitosos. Mas isso não nubla o óbvio: foi ao lado de Yoko que John Lennon assumiu diversas bandeiras: o pacifismo, a luta pelos direitos civis, a adesão a causas feministas. Pouco antes de sua morte, ele admitiu em entrevista que foi o trabalho de Yoko que foi sua principal inspiração para seu maior sucesso pós-Beatles: a canção anti-capitalista, anti-religião e anti-nacionalista “Imagine”.

Além disso, Yoko lançou, de forma esporádica, álbuns, ora flertando com o pop e ora com música experimental – o que também contribuiu para comentários desairosos, que ignoravam o fato de que, sim, ela tinha formação musical. Se na parte experimental, o resultado é mais árido, na parte pop, aqui e ali se observam boas canções e boas ideias. É importante lembrar que “Double Fantasy”, o último lançado pelo casal Lennon Ono com o ex-beatle em vida, as composições dela são melhores que as dele.

Nos últimos anos, entrevistas dadas por gente como Paul McCartney ou Ringo Starr e, mais recentemente, o documentário “Get Back” deram uma nova dimensão ao papel de Yoko Ono dentro do processo de dissolução dos Beatles – nenhum, exceto o fato de ser casada com um deles. Ainda assim, há quem insista na tese de que ela teria “terminado” com a banda. Além disso, tem que menospreze, às vezes por ignorância, muitas vezes por birra infantil, o seu trabalho e sua importância ao lado de Lennon.

Agora, aos 90 anos de idade, já passou da hora de Yoko Ono ser respeitada, não apenas como pessoa, mas como a artista instigante que ela sempre foi.