A maior banda do mundo perde um de seus guitarristas em meio a uma maré de baixa criatividade e abusos homéricos de álcool e drogas. Apesar de o guitarrista “demitido” ser excelente e um prodígio, ninguém se preocupa. Afinal, são os melhores e qualquer outro instrumentista de altíssimo nível bateria na mãe para assumir o posto.
Só que um irlandês maluco recusou e preferiu ficar tocando blues com seu trio em palcos menos nobres no interior da Irlanda e da Inglaterra. E garantiu até o final de sua vida prolífica que não se arrependeu de descartar logo de cara o que ele chamou de “sondagem”.
Até hoje a história é cheia de controvérsias e nunca foi confirmada por várias das partes envolvidas. E o personagem em questão é Rory Gallagher, um dos maiores de todos os guitarristas, que morreu há 30 anos.
A lenda diz que ele foi convidado a substituir Mick Taylor nos Rolling Stones na virada de 1974 para 1975. Keith Richards, o mestre das seis cordas da banda, estava irado com o que chamou de petulância de Taylor ao tentar “ensinar” aos outros membros como tocar.
Após a saída pouco amigável do colega, afirmou a uma revista inglesa que a banda tinha convidado Gallagher. Posteriormente, desmentiu e disse que os empresários dos Stones apenas fizeram uma sondagem.
O irlandês nunca gostou de tocar no assunto. Sempre afirmou que foi apenas sondado, mas em algumas vezes disse que recebeu um convite formal de Mick Jagger.
O maluco virtuoso guitarrista Rory Gallagher, um dos maiores talentos subestimados do rock, tinha 47 anos quando morreu, em 1995, em consequência de problemas por conta de um transplante de fígado. Três décadas de consumo exagerado de álcool cobraram o seu preço.
O músico que virou estátua em sua cidade, Cork, será homenageado de várias formas neste ano, com direito a relançamentos e concertos especiais – dois deles envolvendo Joe Bonamassa, o maior nome do blues da atualidade, que estará cidade em tributo a Gallagher.
Entre os relançamentos previstos estão duas maravilhas que, de certa forma, definem a carreira do guitarrista irlandês.
O primeiro, na verdade, é um relançamento, sendo o original em 2011: “The Beat Club Sessions” é uma reunião de algumas das participações de Gallagher no famoso programa de televisão alemão, que esteve no ar entre 1965 a 1972 recebendo bandas como The Who, os próprios Rolling Stones e o Led Zeppelin para aparições ao vivo.
O guitarrista apareceu quatro vezes entre 1970 e 1972, sendo uma delas com sua primeira banda, o Taste. Logo abandonou o grupo para encarar a carreira solo, embora fosse tímido ao extremo.
E a compilação capta o melhor das performances de Gallagher, que era muito melhor ao vivo – ouça e adquira de qualquer forma os álbuns “Live in Europe”, de 1972, e “Irish Tour”, de 1974.
“Irish Tour ’74”, um de seus excepcionais trabalhos, foi considerado um dos melhores álbuns ao vivo dos anos 70, mostrando o endiabrado guitarrista em fantásticas performances ao vivo.
O segundo relançamento, previsto para o final do ano, é uma caixa com 8 CDs com parte expressiva dos tapes de onde foram tiradas as gravações originais de “Irish Tour ‘74”.
É um produto maravilhoso por trazer vários registros daquela turnê, e não apenas as poucas músicas contidas no LP original. Era o auge da carreira meteórica do irlandês que adorava encher a cara e que já começava a ser cobiçado por grandes bandas.
Ao lado de Gerry McAvoy (baixo), Rod De’ath (bateria) e Lou Martin (teclados), Gallagher desconstrói o blues com ferocidade poucas vezes vista e consegue resultados surpreendentes. Rato de palco, poucos tinham a mesma energia, seja em festivais ou em pubs.
São 7 CDs e um DVD, contendo um documentário muito legal da turnê dirigido por Tony Palmer. Em relação ao áudio, são apresentações na íntegra – duas em Dublin, uma em Cork (interior da Irlanda) e outra em Belfast, na Irlanda do Norte. Os dois primeiros CDs, gravados em 5 de janeiro de 1974 em Cork, são os mais interessantes e eletrizantes, com Gallagher barbarizando e mergulhando de cabeça em solos intensos, quase que antecipando o estilo elétrico de Angus Young no AC/DC…. –
O começo do show já vale o pacote, com uma sequência de pancadas atordoantes, como “Messin’ With The Kid”, “Cradle Rock”, “I Wonder Who” e “Tattoo’d Lady”.
No show de Dublin, no dia 2 de janeiro, um destaque especial para uma outra sequência destruidora – “Too Much Alcohol”, “A Million Miles Away” e “As The Crow Flies”.
As performances ao vivo foram elogiadas por gente como Ritchie Blackmore e Roger Glover, do Deep Purple, Rod Stewart e Ron Wood, dos Faces (este último herdaria a vaga nos Stones) e por Pete Townshend, do Who. Era um guitarrista de poucos efeitos, mas de muito feeling e muita energia, com um conhecimento absurdo de timbragens e amplificadores.
A turnê irlandesa daquele ano teve um forte componente político por ocorrer no auge da campanha de atendados terroristas promovido pelo IRA (sigla em inglês do Exército Republicano Irlandês), que tinha retomado em 1967 a luta pela reunificação das Irlandas – o Ulster, formado po seis condados ao norte da ilha, ficou vinculado ao Reino Unido por ter população majoritariamente protestante e de origem inglesa e escocesa.
Com os atentados ocorrendo na Irlanda do Norte e na Inglaterra, Rory Gallagher foi aconselhado a cancelar a turnê, o que ele recusou. Disse que não tinha medo e que representava todos os irlandeses e que a música unia povos. Sua apresentação em Belfast, capital da Irlanda do Norte, praticamente parou a cidade.
Foram 16 álbuns em 30 anos de carreira, desde o surgimento do Taste, em 1965, até a sua morte, em 1995, causa por uma infecção hospitalar após um malsucedido transplante de fígado – era um beberrão de primeira e alcoólatra assumido.
Entre seus discípulos estava outro mestre da guitarra irlandês, Gary Moore (1952-2011), que fez várias homenagens ao conterrâneo. E nem é preciso dizer que Joe Bonamassa é um grande admirador, a ponto de ter regravado algumas músicas de Gallaghe