No momento em que a baiana Pitty ensaia enveredar por outros caminhos e as bandas de meninas caem para o som mais extremo e agressivo, o pop rock nacional com a voz delas fica vazio de candidatas a ocupar um espaço prontinho para ser ocupado.
Se é que podemos falar em alguma dianteira nesta corrida, um nome consistente é o da paulista Aléxia, que impressiona com seus singles movidos a guitarras espertas e um som acessível que transcende aos clichês juvenis que costumam infestar o mundo pop.
A jovem radicada em Tatuí, na região de Sorocaba, tem as melhores referências para embasar o seu trabalho. Transformou a sua antiga banda, a Cherry Bomb, no grupo que lhe dá suporte, sob a liderança do marido, o guitarrista Gustavo. O nome foi tirado de uma canção da banda americana Runaways, que reuniu cinco garotas adolescentes nos anos 70 para fazer rock e hard rock.
“Gosto quando as pessoas identificam as influências de Pitty e Joan Jett [guitarrista das Runaways que fez sucesso como artista solo]”, diz a cantora. “Além do empoderamento feminino e do simbolismo da mulher n rock, artistas como elas passam a imagem positiva de uma qualidade musical sólida.
Com um punhado de canções lançadas em singles que fazem frente aos sertanejos e poagodes que dominam o interior paulista, Aléxia já planeja um álbum autoral para os próximos meses. Seus destaques s]ao “Monstro” e “Game Over”, cujas letras vão além dos relacionamentos complicados e das dores existenciais da vida.
Sophia Chabalu percorre uma trilha diferente, mais acidentada, mas tem grande cacife artístico para ganhar mais espaço. Acompanhada pela banda Uma Enorme Perda de Tempo, lançou seis trabalhos e autorais que se destacam por um pop mais sofisticado e engajado.
Ela e a banda foram vítimas em julho de um abominável caso de censura quando se apresentavam em um evento gratuito promovido pela Prefeitura de São Paulo. Tiveram o som cortado no meio do show e um vídeo interrompido no momento m que apoiavam o povo palestino e criticavam Israel pelos massacres em Gaza.
Não era o tipo de publicidade que esperavam, mas ao menos chamaram a atenção para suas músicas bem construídas e, de certa forma, experimentais. Mesmo não tendo o carisma e o espalhafato de Pitty, Sophia Chablau tem coragem e gana para encarar as agruras do inóspito mercado pop nacional.
De Goiás vem a poderosa voz de Isabela Eva, que ressurge de um período de longo silêncio. Fora, anos à frene da banda Bella Utopia, que misturava hard rock e heavy metal com bastante competência. Articulada e versátil, a cantora entra em carreira solo com o EP “Eva em Outras Mãos”, já disponível em todas as plataformas digitais.
O projeto marca uma nova fase em sua carreira, após o hiato da Bella Utopia, onde foi revelada como uma das grandes vozes do metal nacional.
Inspirado pelas teorias da evolução de Charles Darwin e pelas reflexões do livro “Sapiens”, de do historiador israelense Yuval Harari, o EP mergulha em temas como o tempo, a consciência, o poder e as contradições da espécie humana.
As letras autorais abordam com sensibilidade e força a fragilidade do nosso comportamento, o embate entre razão e emoção, corpo e mente, liberdade e prisão.
“Em Outras Mãos” não tem o peso de sua antiga banda e investe em um som mais moderno na linha dos melhores trabalhos de Pitty. Empoderamento é a palavra de ordem, mas a produção poderia valorizar um pouco mais as guitarras;
“Dez Vidas” é uma canção mais bem resolvida, com a guitarra mais proeminente, mas aqui, de novo, a produção não ajuda muito – a letra agressiva é valorizada pela melodia forte e por um ritmo pulsante, que mereciam um som mais volumoso..
Na mesma toada segue “O Tempo”, que é mais experimental e soa mais rock and roll, quase punk. O engajamento no tema é tão forte quando nas canções anteriores, e dá o om também em “A Raiz”, um pouco mais reflexiva, mas sem perder a contundência. Isabela Eva é uma artista que precisa ser ouvida com bastante atenção.