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“Irmãos e irmãs! Quero ver um mar de mãos por aí!
Deixe-me ver um mar de mãos! Quero que todos façam barulho!
Quero ouvir alguma revolução por aí, irmãos!
Eu quero ouvir uma pequena revolução!
Irmãos e irmãs, chegou a hora de cada um de vocês decidir se será o problema ou se será a solução! (Isso mesmo!)
Vocês devem escolher, irmãos, vocês devem escolher!
São necessários cinco segundos, cinco segundos de decisão, cinco segundos para realizar o seu propósito aqui no planeta!
Leva cinco segundos para perceber que é hora de se mover, é hora de começar!
Irmãos, é hora de testemunhar e eu quero saber, vocês estão prontos para testemunhar?
Você está pronto? Dou um depoimento para vocês: o MC5!”

Detroit, nos anos 1960, era um caldeirão prestes a explodir. Até que explodiu. Uma cidade operária, berço do automobilismo americano, com uma enorme população preta submetida às leis de segregação racial e à violência policial. Chegou um momento que não deu para segurar: em 1967, uma grande revolta (a maior revolta urbana nos Estados Unidos até hoje), onde a comunidade negra protestou contra a invasão da polícia em um bar clandestino. O resultado foi a morte de 43 pessoas, quase 1200 feridos e mais de 7000 presos.

E é dentro deste contexto que um grupo de garotos, ainda adolescentes, formaram uma banda que se apresentava em sindicatos, pequenas casas de shows e comícios. Tendo como base o rock de garagem, R&B (não podemos esquecer que Motown surgiu em Detroit) e algumas pitadas de jazz e construída a partir de um poderoso duo de guitarras, o MC5 entregava performances incendiárias. Wayne Kramer e Fred “Sonic” Smith eram os cavaleiros das 6 cordas que comandavam essa revolução sonora, que inspirou muita gente do punk, na década seguinte.

O impacto de suas apresentações era tão grande que somente um álbum ao vivo conseguiria captar esta energia – e assim surgiu o álbum de estreia, o ao vivo (gravado em 1968 e lançado no ano seguinte) “Kick Out The Jams”. Logo na abertura, o chamado às armas que abre este post. A partir dali, tudo é energia sonora, caos e revolução.

O empresário da banda, um ativista chamado John Sinclair, havia fundado o “White Panthers”, um coletivo antifascista e anti-racista, sob inspiração do Partido dos Panteras Negras. Na capa interna de “Kick Out The Jams”, ele escreveu um outro chamado à revolução, que termina com a famosa frase “Kick out the jams, motherfuckers!”, ou “Botem tudo pra fora, filhos da puta!”. Uma cadeia de discos de Detroit se negou a vender o álbum por conta deste “palavrão”. A resposta da banda foi imediata: um anúncio em um jornal, conclamando seus fãs a quebrarem a porta da loja. Bom, foram dispensados pela gravadora.

Depois disso, John Sinclair foi preso por tráfico de drogas e a banda lançou ainda mais dois álbuns, o irregular “Back in The USA” e o bom “High Time”, se separando na sequência. Kramer acabou se envolvendo com venda de drogas e acabou puxando quatro anos em uma prisão federal. Depois deste período, ele participou de diversas formações, duos, trios e quartetos, com colaboração com gente como Johnny Thunders, GG Alin, Was (Not Was), entre outros, além de manter uma carreira solo.

A partir de 1992, passaram a ocorrer reuniões esporádicas do MC5, com seus integrantes sobreviventes (o vocalista Rob Tyner havia morrido no ano anterior). Em 2014, a banda fez um show no Brasil, no Campari Festival e no ano passado, Kramer (na época, o único integrante original vivonr: o baterista Dennis Thompson é o único integrante original da banda, com a morte de Wayne Kramer), anunciou um novo álbum para 2024.

Morto ontem, aos 75 anos, Kramer nunca deixou para trás nem a música, muito menos o ativismo. Inspiração para muita gente, como The Clash, Motorhead, Rage Against the Machine e Living Colour, ele também criou uma entidade “Jail Guitar Doors”, onde providenciava guitarras, workshops e shows em prisões nos Estados Unidos – “Jail Guitar Doors” também é o nome da canção do Clash, inspirada justamente pela prisão de Kramer.

Wayne Kramer did kick the jams, motherfuckers!