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Um grande golpe de marketing de uma indústria autofágica e insaciável. Ou seria a última grande revolução musical dentro da cultura pop? Ou ainda o último resquício de inteligência e contestação da chamada “geração X”, como ponderou o jornalista Mauricio Gaia neste Combate Rock? Ou, que sabe, um pouco de tudo isso?

Os 30 anos do lançamento de “Nevermind”, do Nirvana, que sentenciou o fim da música e da cultura de excessos dos anos 80, colocam algumas questões importantes a respeito da evolução (ou involução) da indústria fonográfica e sobre o modo como encaramos o rock a partir dos anos 90. 

Por que os chamados “movimentos” ou “revoluções” são tão “necessários” para validar artistas ou correntes artísticas? Por que sempre é necessário criar algo “novo” dos escombros de uma geração?

Se o Nirvana foi a liderança do tal movimento grunge – um mero pastiche do movimento punk dos anos 70, mas sem a inovação, a novidade e a virulência iconoclasta -, então não nos resta outra alternativa a não ser reconhecer que o rock chegou a um ponto bem baixo de sua “evolução”.

Na ânsia de se antecipar e tentar identificar “tendências” antes do que os outros, analistas, críticos musicais e jornalistas caíram na esparrela de buscar genialidade onde só havia esterilidade de ideias.

Música fraca, instrumentistas débeis e compositores indolentes e frágeis viraram gênios e porta-vozes de uma geração vazia, sem conteúdo e sem propósitos. E então veio o marketing e articulou a “nova” revolução musical. E não é que colou?

Se o tal movimento grunge colocou na berlinda grupos razoáveis como Pearl Jam, Soundgarden e Alice in Chains, nos empurrou coisas pavorosas como Nirvana, Mudhoney e mais uma série de bandas fracas de Seattle e da Califórnia. Alguém se lembra de Screaming Trees?

Sem o pavoroso Nirvana não haveria o bacaninha Foo Fighters. Quem disse que o trio liderado por Kurt Cobain não serviu para alguma coisa? 

Será que realmente a porcaria grunge não passa disso? O tal do “movimento” que apenas tentou emular a rebeldia e a suposta fúria do punk rock, só que em uma vertente “intimista” e depressiva?

Marketing agressivo  

Trinta anos depois, o que restou foi um culto “jim morrisoniano” ao rebelde atormentadinho do grunge e à meia dúzia de bandinhas que não sobreviveram ao quinto aniversário do estouro do Nirvana – estamos falando de 1996, quando já ficava claro que apenas o Pearl Jam continuaria vivo, largando inteligentemente o rótulo pegajoso e datado “grunge” para expandir a sua sonoridade e se tornar uma das grandes bandas do nosso tempo.

“Nevermind” ainda é o disco icônico do grunge, assim como o Nirvana sempre será a ponta-de-lança, mas foi a banda de Eddie Vedder que provou que era bem mais do que os acordes básicos e distorção desmedida do Nirvana e demais seguidores, tanto que é de longe a melhor e mais longeva daquela safra quase que inteiramente desagradável. 

Soundgarden e Alice in Chains até que tinham algum potencial, mas sucumbiram à desidratação do grunge e às brigas internas alguns anos depois. 

As duas bandas, após separações não muito cordiais, conseguiram se reinventar no final da primeira década do século XXI e se tornaram respeitáveis ao lançar novos trabalhos com muito pouco do passado flanelado e não muito abonador.

O Nirvana se tornou um símbolo de uma geração que acreditava não se sentir representada pelo rock do biênio 1990-1991, com bandas como Metallica, Guns N’ Roses, Van Halen e Queensryche, todas excelentes, cada vez mais gigantes, enquanto o chamado hard rock californiano caía de cabeça em um beco sem saída por conta da repetição de fórmulas gastas de cinco anos antes.

Ao mesmo tempo, o pop rock finalmente reconhecia a qualidade alta de um R.E.M. e regatava um gênio como Iggy Pop. Só que, por outro lado, despejava porcarias como Jesus Jones, Happy Mondays, Stone Roses, Sigue Sigue Sputnik e coisas parecidas, deixando no limbo indies verdadeiramente representativos, como Pixies, Sonic Youth e os esquisitos do Primal Scream.

O triste da questão é que a opção dessa juventude foi algo ainda pior – um “manifesto” liderado por um bando de moleques que não sabiam tocar querendo imitar tanto a música como a atitude punk, mas sem êxito, além de “criar” uma suposta estética (em todos os sentidos) despojada, mas que na verdade revelou apenas total falta de criatividade. Ousaram transformar Seattle, a cidade de Jimi Hendrix, Queensryche e outras coisas interessantes, na capital grunge flanelada.

De repente, a mídia achou que ali tinha qualidade musical que merecia alguma atenção. Na falta de alguma realmente rebelde e inovadora, por que não essas bandinhas toscas e depressivas? 

Inventaram uma cena que não existia, insistiram no embuste musical e acabaram convencendo um bando de incautos – primeiro nos Estados Unidos, depois no mundo inteiro – que existia um “movimento” musical em Seattle, com moleques “despojados, independentes, mas criando algo novo e revolucionário”.

Reconheçamos que foi um grande golpe de marketing, com alguns gênios de gravadoras conseguindo cooptar a molecada com “atitude” e “independência” com uma facilidade incrível. Tudo bem que o punk rock tinha feito muito mais e muitíssimo melhor 15 anos antes, mas isso, na época, foi apenas mero detalhe. 

O movimento punk pode não ter sido aquela beleza musicalmente, mas como fenômeno cultural foi um marco na cultura ocidental, goste-se disso ou não. Impregnou o mundo de um sentimento de anarquia, revolta e desilusão como nenhum outro movimento jovem conseguiu. Goste-se ou não, aquilo foi uma revolução.

São apenas duas as conexões entre o punk e o grunge: a pouca duração e a imensa quantidade de músicos ruins, que não sabiam tocar. No mais, o grunge como “movimento” musical ou de comportamento foi um embuste. 

Rapidamente cooptados pelo sistema, os músicos não passaram de marionetes nas mãos do mercado fonográfico. O fato é que o grunge durou bem menos que o punk. 

Kurt Cobain, guitarrista e vocalista do Nirvana, era um instrumentista fraco e nada inovador, e um compositor mediano. Posou de garotinho atormentado e incompreendido e preferiu se matar a encarar sua indigência musical e a decadência do movimento.

As bandas de Seattle ao menos deram uma lição no rock: varreram para o lixo o artificialismo do hard rock farofa que dominou a música na segunda metade dos anos 80, vírus nocivo que contaminou muita gente boa, como Judas Priest, Saxon e Whitesnake, entre outros. Só mesmo um mercado fonográfico putrefato por esse tipo de artificialismo poderia permitir a ascensão do grunge.

Uma das formações do Foo Fighters (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Dave Grohl se livra do peso

O Nirvana serviu para pelo menos uma coisa: foi o trampolim perfeito para o baterista Dave Grohl se lançar na cena musical mundial. Ele sempre foi a única coisa que valia a pena no grupo. Tocava – e toca – bateria com vontade, era o único que empolgava dentro do trio. 
Enquanto Krist Novoselic matava qualquer um de tédio, Cobain maltratava a guitarra com sua falta de técnica – e maltratava o público com seu astral depressivo.

Já Grohl fazia valer a pena ter pago ingresso para o show. Indiscutivelmente era o mais talentoso da banda. As músicas falam por si. Ouça “The Pretender”, “No Way Back”, “Wheels”, “Long Road to Ruin”, “Generator”, “Breakout”, “Monkey Wrench”, “Big Me” e “White Limo”, só para citar algumas. Passam longe da fórmula estrofe calma, refrão gritado, estrofe calma. 


O Foo Fighters faz um rock honesto, com energia, com boas melodias e sem se repetir o tempo todo. E passa longe daquele clima de desgosto com a vida que Cobain impunha ao Nirvana. Não que Grohl não curtisse o que fazia, mas tenho certeza que agora ele está muito mais satisfeito. 

Ele assumiu a linha de frente da banda, canta muito mais que Cobain (desculpe, mas a comparação é inevitável) e faz uma música que chama a atenção. 

O Foo Fighters merece respeito. Ou será que Jimmy Page e John Paul Jones, do Led Zeppelin, e Lemmy Kilminster, do Motorhead e Tom Petty, e Paul McCartney piraram? Eles já estiveram em algum momento envolvidos com Grohl. 

Não bastasse as qualidades de Grohl como músico, ele e o Foo Fighters têm um senso de humor que tem de ser ressaltado. Basta ver os vídeos da banda. Completamente diferentes daquela coisa sombria do Nirvana. E não digam que o mérito disso é do produtor do clipe, porque se os vídeos seguem essa linha é porque Grohl quer assim. O cara tem talento. 

Em meio a tantas bandas que sobem no palco com ar de quem está lá contra a vontade e fazem vídeos que estão mais para velórios, o Foo Fighters carrega o verdadeiro espírito do rock and roll.