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Guitarra autografada por B.B. King em exposição no Bourbon Street, em São Paulo (FOTO: BOURBON STREET/DIVULGAÇÃO)

Nas várias formas de cobertura do festival Lollapalooza, um repórter juntou uma roda de garotos de menos de 20 anos que se divertia ao som de um DJ qualquer bem no comecinho do festival. Nenhum dos cinco ou seis meninos ou meninas, com cara de gente abonada, soube dizer o nome de quem estava tocando e disseram que isso não importava.

Perguntados a respeito de que a imensa maioria das atrações do festival não tinha guitarras, os entrevistados, novamente, não se importaram. Disseram que guitarras não fazem falta. 

Tudo bem que é gente que não gosta de música que fala esse tipo de coisa e que não está nem aí para quem está no palco na maioria do tempo em festivais gigantes como esse. 

É o típico público atual do Rock in Rio que prefere brincar na roda gigante do que assistir para para valer um shows de música de verdade, e não de um tocador de pen drive qualquer.

No entanto, fica a questão que há alguns anos vem incomodando muita gente que cresceu ao som de rock dos bons – soft, pop, hard ou heavy: o declínio da guitarra como símbolo musical do Ocidente e, por tabela, a queda contínua do rock e do blues na preferência do público, principalmente entre os mais jovens.

Quem diria que a guitarra viraria uma coisa de “gente velha e ultrapassada”… 

Ainda há garotos que se matriculam em cursos de música e sonham em tocar e encantar como Jimi Hendrix, Jimmy Page e muitos outros guitarristas, mas a sensação que fica é a de que a guitarra hoje tem mais a ver com dinossauros.

Hoje, qualquer ser pode achar que faz música em um celular razoável ou em um laptop. Essa gente pode achar qualquer coisa, mas certamente só consegue fazer barulho ruim em seus aparelhinhos eletrônicos.

E pensar que jornalistas imbecis, no começo dos anos 2000, no afã de se mostrarem modernos, vibravam quando jovens desinformados e desprovidos de senso estético bradavam que “solos de guitarra eram coisas de velhos”…

Por um outro ponto de vista, até que demorou a percepção generalizada de que a guitarra está em baixa, em paralelo ao rock e ao blues. 

Parece que a música artificial saída de computadores e aplicativos diversos não incomoda. Parece que nos acostumamos com a música de elevador que domina o fundo de todos os ambientes de nossa vida urbana de capitais – o que pode explicar, em parte, a predominância da música sertaneja da pior qualidade nas rádios e shows de cidades pequenas e médias do interior do Brasil. 

Esse público ainda rechaça, ao que podemos observar, os recursos eletrônico que tornam a música mais artificial e menos orgânica. Topou até mesmo a “americanização” do gênero, com guitarras mais altas e excesso de produção típicos da música country, desde que a essência da coisa não parta de computadores. Louvemos, pelo menos neste aspecto, gente como Marília Mendonça e artistas estourados do gênero.

Um mundo sem guitarras é um mundo mais pobre e mais triste, que se resume, quando muito, a sintetizadores de ultima geração que massificam sons e barulhos, mas que desvalorizam autores e instrumentistas de verdade.

Claro que, talvez, estejamos presenciando algo parecido com que o ocorreu ao longo dos anos 50 e 50, quando as big bands de jazz definitivamente foram enterradas com o advento da eletrificação da música e a formação de combos com três, quatro ou cinco músicos que transformaram o rock na grande expressão sonora e artística do mundo ocidental. 

Mais tarde, com a adição de teclados que simulavam tudo, grandes bandas e orquestras adernaram de vez, para irritação de ódio dos amantes da música erudita e do chamado “jazz raiz”, para quem a sonoridade de grupos como os de Duke Ellington, Count Basie, Louis Armstrong e Glenn Miller eram insuperáveis.

Dependendo do ponto de vista, o mundo musical ficou pior com a ascensão das guitarras e dos megashows e megafestivais movidos a barulhos ensurdecedores de guitarras que explodiam em amplificadores gigantes.

Os mais precavidos imaginavam que, um dia, a tecnologia avassaladora do século XXI pudessem transformar por completo as nossas experiências artísticas e sensoriais a ponto de projetar a substituição dos instrumentos eletroacústicos. Por que será que não quisemos enxergar?

Uma esperança que nos move, as pessoas de bom gosto e que deploram a música eletrônica/artificial/sem vida, é que o violão, em todas as suas modalidades resiste há mais sete séculos no mundo ocidental, mergulhando em todos os gêneros musicais, e principalmente no mundo erudito. Pode-se dizer que é a base de tudo, ao lado de algumas modalidades de piano.

É bem possível que as guitarras sobrevivam, mas adaptadas aos novos tempos e em um formato de rock diferente, mais tecnológico e próximo dos jovens. No entanto, para isso, é preciso que continuemos estimulando a busca pelo instrumento, pelo seu aprendizado e pela sua disseminação.

É preciso que continuemos escutando e valorizando gente como Pepeu Gomes, Edu Gomes, Robertinho de Recife, Nuno Mindelis, Edgard Scandurra, Joe Bonamassa, Danny Bryant, Kiko Loureiro, Edu Ardanuy, Ritchie Blackmore, Slash, Zakk Wylde e tantos outros que permanecem nos alegrando com sua música mágica.

Por isso é que precisamos prestar muita atenção a declarações recentes de Noel Gallagher, ex-guitarrista do Oasis e atualmente em carreira solo. 

“Os jovens estão cada vez mis longe das guitarras, elas ficaram muito caras”, lamentou o músico. “Tocar guitarra hoje é um ‘hobby’ ou comportamento de classe média, e já faz tempo. Nos anos 60 e 70, mesmo instrumentos mais razoáveis, eram acessíveis a quem tinha pouco dinheiro, como a maioria dos nossos heróis em seus começos de carreira, no meu começo de carreira. Se hoje os jovens ficam longe das guitarras, ficam longe do rock e do blues.”

Não sei se era possível parar ou retardar esse movimento de “obsolescência” da guitarra. Entretanto, com o histórico da música pop desde os anos 20, da mesma maneira que vimos a decadência do LP, do CD, do VHS e até mesmo do MP3, era possível, ao menos, prever um movimento semelhante. 

Se os instrumentos elétricos mudaram o mundo e enterraram as grande bandas e orquestras, por que os eletrônicos não poderiam fazer coisa semelhante? 

Por que não enxergamos o que Rick Wakeman, sozinho, rodeado de teclados que pareciam a cabine de uma nave espacial, estava fazendo, apontando para o futuro com seu som exagerado e exuberante ai mesmo tempo?

Não vamos deter a roda da história – ainda bem -, mas isso não nos tira o poder de observação e constatação: as guitarras inda fazem bastante falta em nosso mundo musical que caminha apressadamente para a artificialidade e extrema massificação/homogeneização da arte, em vários sentidos. 

Bem que a transição poderia ser mais leve e suave…