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A cobrança por novas músicas é uma das maneiras de se medir a relevância de um artista. Por esse parâmetro, “Timeless”, o novo álbum da banda paulistana Viper, reafirma o que a grande parte dos apreciadores de música pesada no Brasil, sempre afirmou: como é bacana saber que que ela de volta.

Os longos hiatos desde o último disco, “All My Life”, de 2007, sempre colocaram em dúvida a continuidade da banda. os maravilhosos shows com Andre Matos, há mais dez anos, semearam mais dúvidas ainda, por mais que o cantor, membro fundador da banda, frisasse que sua “volta” não passava de uma maneira de encerrar um capítulo em aberto deixado com sua saída, em 1990.

O lançamento deum disco de inéditas 16 anos depois pode ser interpretado de muitas maneiras: renascimento, resistência, resiliência, tenacidade, persistência e até teimosia. Os mais afoitos ainda perguntam: precisamos de mais um álbum do Viper? Precisamos de sua volta?

“Para sorte nossa e do mundo do metal, parece que sim, a julgar pela grande expectativa que ‘Timeless’ gerou”, disse o guitarrista Felipe Machado com bom humor e empolgação, em entrevista exclusiva ao Combate Rock. “O Viper tem um legado importante, independentemente de ter uma história atribulada. E há anos somos cobrados pelas músicas novas desde que anunciamos que as lançaríamos. Se somos cobrados, e porque as pessoas se importam com nosso trabalho.”

Os shows de celebração dos 30 anos de Viper com Andre matos impuseram um desafio. Como o cantor, morto em 2019, aos 47 anos, partiria ara seus outros muitos projetos, o Viper precisaria de reinventar, de novo, para se mostrar relevante e tornar a sua música/trajetória atemporal. 

Meio sem pensar muito, estava ai o “conceito” que deveria nortear a retomada definitiva da banda, como novo vocalista, novo guitarrista e um título na cabeça, “Timeless”.

O vocalista Leandro Caçoilo e o guitarrista Kiko Shred chegaram e se encaixaram bem, mas as tempestades balançaram o barco – a morte do amigo Andre mato, pandemia de covid-19, mercado diferente e mais exigente, novas maneiras de ouvir e “amar” a música…

“Ocorreram alguns fatores para que ‘Timeless’ demorasse para sair além do previsto, mas isso foi bom, pois o Kiko pôde se entrosar melhor conosco e gravar solos de algumas músicas que estava prontas”, analisa Machado. “Foi um processo intenso de composição e conseguimos explorar bem esse conceito de atemporalidade, mesmo o álbum não sendo conceitual.”

O músico ainda ressalta que “Timeless” é uma colcha de influências de praticamente todos os álbuns que a banda lançou desde 1987, indo do power metal ao quase punk, passando por uma sonoridade mais acessível e pelo rock progressivo.

Para Felipe Machado, é natural que isso ressurgisse em um momento de retomada das atividades. “Nunca houve uma preocupação de buscar uma ‘sonoridade Viper’. Ela sempre existiu e apareceu por conta de lembranças e do DNA da banda. O Pit [Passarell, baixista] nunca parou de compor e sempre teve clara na cabeça a maneira de como a banda tem que soar, assim como eu. Foi legal perceber que conseguimos resgatar as melhores que criamos em mais de 35 anos de carreira.”

Viper: da esq. para a dir., Kiko Shred, Guilherme Martin, Leandro Caçoilo, Pit Passarell e Felipe Machado (FOTO: PEDRO MARGHERITO/DIVULGAÇÃO)

O álbum ‘Timeless’

“Timeless”, é mais uma tentativa de corrigir um passado ingrato com uma das melhores bandas de rock pesado surgidas por aqui. Depois de 16 anos, imaginava-se que haveria rotas a serem corrigidas, mas que, na verdade, não precisam ser redirecionadas. Cada coisa ao seu tempo, e na sua velocidade.

 “All My Life”, de 2007, era uma coleção de boas ideias que teve uma repercussão aquém do que merecia. Como reflexo de um período de dificuldades, a banda entrou em recesso.

Com as presenças de Leandro Caçoilo (vocais) e Kiko Shred (guitarra solo), o Viper soa revigorado, ainda que buscando inspiração no passado. É praticamente uma outra banda, com novas ideias e percorrendo um caminho u pouco diferente.

O power metal da maioria das canções lembra bastante o ótimo “Theatre of Fate”, disco de 1989 que ampliou a presença do Viper no exterior ainda com Andre Matos, que sairia em seguida. 

Outras canções, como “The Android”, mais reta, dura e rápida, remete a “Coma Rage” (1992), com uma influência mais punk, quase hardcore, e um tempo em que os vocais estavam a cargo do baixista e fundador Pit Passarell.

Para alguns críticos, “Timeless” é um disco desnecessário porque nada acrescenta, estando alicerçado no passado; para outros, foi graças a esse alicerce que a banda encontrou forças para finalmente lançar “Timeless” em um período difícil, que combinou pandemia de covid-19 coma morte de Matos, então ainda ligado ao Viper.

A bonita homenagem em single ao amigo morto, “Spreading Soul Forever”, dava a pinta de ser um epitáfio para uma trajetória acidentada, mas importantíssima, dentro do rock nacional, mas acabou sendo o ponto de partida para que o grupo seguisse em frente.

O processo de maturação foi longo, e necessário, a julgar pelo resultado. É um ótimo disco, bem feito e transbordando de garra, assim como foi “Rescue”, do Shaman, d 2021, também fruto de luto e homenagens a Andre Matos.

“Under the Sun” e “Timeless”, as canções já divulgadas em singles, demonstravam uma certa “busca” por algo perdido no passado e, com isso, mantendo a chama acesa. 

A presença de Caçoilo era o que faltava para consolidar essa fase de resgate. O cantor entendeu perfeitamente o momento e lapidou as canções emprestado versatilidade e confiança. Comprou as ideias e colocou em prática um cabedal de influências que amenizou o ar “vintage” do disco.

Quem escutou “Inter-Mundos”, do Caravellus, outra banda do vocalista, sabe exatamente do que Caçoilo poderia entregar.  Os bons resultados do Viper atual se devem muito a ele.

“Under the Sun” já é um clássico da banda, om potência e ótimos riffs de guitarra. Respira ares oitentistas, mas entrega algo mais, misturando passado e presente em timbres modernos.

“The Android” surpreende com sua velocidade punk e arranjo amis “sujos” que transpiram descontração e bom astral. “Angel Heart”, talvez a melhor do álbum, é um hard ‘n’heavy de alta qualidade e com tamanha a vontade de ser tocada que  não há como não relacioná-la a Andre Matos. Coroa uma coleção de canções que marcam mis um renascimento do Viper. 

E há ainda o encerramento com duas canções singelas e pungentes, com forte presença de violões e arranjos delicados. 

“Thais”, dedicada à mulher de Pit Passarell, que morreu em 2019, é bela e cadenciada, uma quase balada empolgante, enquanto a reflexiva “Reality” fecha bem um trabalho bem feito e que, de alguma forma, redime uma banda que nunca cansou de procurar o seu caminho. O acerto em apostar em um conceito meio batido –  o disco se propõe a explorar uma sonoridade atemporal,  é evidente.

A formação atual tem Leandro Caçoilo (vocal), Kiko Shred (guitarra), Pit Passarell (baixo e vocais) e Felipe Machado (guitarra) e Guilherme Martin (bateria). Participaram das gravações os ex-guitarristas da banda Hugo Mariutti e Yves Passarell (que passaram pelo Viper antes de seguir para o Shaman e Capital Inicial, respectivamente), além de Daniel Matos, baixista e irmão de Andre Matos. A produção é de Maurício Cersosimo, que já trabalhou com nomes como Paul McCartney e Avril Lavigne, com coprodução de Val Santos, ex-guitarrista e integrante do Viper.