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Crypta antes da mudança de formação: da esq. para a dir., Sonia Anubis, Tainá Bergamaschi, Fernanda ira (agachada) e Luana Dametto (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Torcer contra faz faz parte, assim como o boicote é um instrumento poderoso nas democracias e representa um símbolo inerente da liberdade de expressão. O problema é quando são necessários argumentos para sustentar tais posturas.

No âmbito do rock, cada vez a simples existência de mulheres e bandas com integrantes majoritariamente femininas se sobressaem com a mesma potência com que incomodam. Não basta apenas detonar a música de Anitta – que é realmente muito ruim -, é necessário desqualificá-la em todos os sentidos, como se o sucesso mundial dela incomodasse.

Não basta apenas criticar as bandas Nervosa e Crypta – é necessário comemorar eventuais tropeços, gostando o não da música, sejam as meninas boas ou ruins instrumentistas.

Não basta apenas apelar para as baixarias de sempre – os imbecis precisam desesperadamente saciar suas frustrações ao apelar para machismos e sexismos rasteiros. No caso da Malvada, vomitar lixo como “só fazem sucesso porque apelam para a sensualidade e roupas/poses vulgares”…

O que não devem ter ouvido as garotas das bandas Girlschool e Runaways nos anos 70 e 80, por mais que tivessem defensores como os amigões do Saxon e do Motorhead, entre outros, pra defenderem as moças…

Em uma boa entrevista concedida ao novo programa de internet da revista Roadie Crew, o “Bate-Cabeça”, Fernanda Lira, baixista e vocalista da Crypta, articulada como sempre, celebrou o excelente momento para que as mulheres tomem mais e mais lugares dentro do rock e do metal.

“É evidente que as coisas estão melhores do que há 10 ou 20 anos, da mesma forma que deveremos conviver com certos tipo de preconceitos ainda por alguns anos”, disse a musicista. “O que é legal é ver que os ambientes estão mais receptivos e que o respeito é muito maior. Ainda que, em alguns momentos, tenhamos de ouvir o adjetivo desnecessário, como ‘banda feminina’, entendo que isso se constitui em um ‘diferencial’ que até pode ajudar, em alguns momentos. Não é um efeito colateral nocivo.”

Que ótimo que estejamos caminhando, ainda que lentamente, para um nível civilizatório aceitável. A entrevista, no entanto, foi grava em março, antes do anúncio da saída da guitarrista holandesa Sonia Anubis da banda Crypta. Foi o que bastou para que houvesse uma recaída para os patamares de sempre no quesito baixaria.

O nível de infantilidade foi grande e não ficou apenas no “torcer contra”. Não são muitos os que ficam felizes com o eventual fracasso desse tipo de “banda feminina”, ainda que minoria, mas a argumentação estapafúrdia ainda choca, revelando que ainda predominam pensamentos medievais nível bolsonaro no ambiente que deveria transbordar tolerância e atitudes progressistas, bem, como a plena defesa da democracia e a liberdade de expressão.

é claro que sobrou para Fernanda Lira no episódio da saída de Sonia – tachada de megera e figurinha difícil de se conviver. A amigos próximos, a baixista da Crypta repete os mesmos argumentos do comunicado oficial divulgado nas redes sociais: a guitarrista saiu numa boa, de forma negociada e sem crises. sua postura foi constantemente elogiada.

O que pouca gente sabe ou faz questão de não saber é que Sonia Anubis é a líder de uma banda de hard rock na Holanda, o quarteto Cobra Spell, Crypta se tornou oficialmente uma banda, em 2020, era de se esperar que houvesse mais dificuldades no futuro para conciliar agendas.

Diante disso, a holandesa se antecipou e pretendeu evitar problemas maiores. De acordo com algumas fontes, Sonia teria lamentado muito ter de sair, já que estava bastante entrosada com as ex-companheiras.

Curiosamente, quando a holandesa decidiu deixar a banda suíça Burning Witches e migrar pra a Crypta, ninguém se lembrou de tachá-la de “moça difícil”, ou de criticar a postura das outras musicistas da banda helvética.

Se há alguma coisa boa que o termômetro a respeito desse assunto indica que é quanto maior o incômodo provocado pelas “bandas femininas”, ou por figuras femininas no rock, maior o nível de conscientização de que ainda existe preconceito e maior a necessidade de combate desse tipo de comportamento.