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Steve Ray Vaughan (FOTO: DIVULGAÇÃO)

No livro “Do Vinil ao Download”, do empresário, executivo e produtor musical André Midani (1932-2019), há a reprodução de um diálogo entre ele e o venerável produtor do Montreux Jazz Festival Claude Nobs (1936-2013). Amigos por décadas, o franco-brasileiro e o suíço se entendiam apenas por gestos.

“Qual foi a grande revelação do Montreux Jazz Festival?”, perguntou Midani saboreando um conhaque no calo de uma lareira. “O festival só revelou um grande artista em mais de 50 anos de existência. Foi Stevie Ray Vaughan, que ninguém conhecia no mundo e pouca gente sabia dele nos Estados Unidos.”

Só por isso o evento tem de ser conhecido o maior de todos os festivais mundiais de música. Faz 40 anos que Nobs aceitou, meio ressabiado, permitir que um então jovem guitarrista texano (na verdade, nem tão jovem assim), sem ter disco lançado, tocasse em um palco secundário do festival. 

Detalhe: Stevie e a sua banda, Double Trouble, tocaram de graça e pagaram de seus bolsos a viagem à Suíça, aceitando ficar hospedados em uma espelunca qualquer.

Faz 40 anos que Stevie Ray Vaughan foi revelado ao mundo graças à visão musical de um produtor suíço Ninguém poderia imaginar que um desconhecido guitarrista de blues texano fosse ganhar mentes e corações naquela noite meio esquisita de agosto de 1982 – ainda mais depois de o trio de Stevie ter recebido a maior vaia do festival até então, desde 1968.

Stevie começou a chamar a atenção de verdade nos Estados Unidos em 1980, com várias apresentações bombásticas transmitidas pelo rádio. 
A Double Trouble agora tinha novo baixista, Tommy Shannon, que foi por anos escudeiro de outra lenda texana, Johnny Winter. 
Com Chris Layton na bateria e Shannon no lugar do apenas correto Jack Nieuhouse, Vaughan ascendeu rápido e virou nome cobiçado em festivais dos Estados Unidos e no Canadá.

Diz a lenda que a fama no Texas o levou para o Festival de Jazz de Montreux pela primeira vez em 1982. Não foi bem assim. 
O trio já chamava a atenção, mas havia muita desconfiança em relação ao irmão mais novo de Jimmie Vaughan, que era dos Fabulous Thunderbirds. 

Nem mesmo a parceria com a diva Lou Ann Barton, uma das grandes cantoras sulistas de blues, foi capaz de catapultar a carreira de Stevie, que então era só Stevie Vaughan até 1980, curiosamente sem nenhum disco lançado aos 26 anos de idade.

Numa tacada audaciosa, Stevie e seus empresários começaram a cortejar o mercado fonográfico de Nova York e conseguiram o contato de Claude Nobs para que a banda fosse encaixa no festival. No “topa tudo por espaço”, aceitaram tocar de graça – informação desmentida por Jimmie Vaughan muitos anos depois, mas confirmada por Nobs no livro de Midani.

Completamente desconhecidos, Stevie Ray Vaughan e Double Trouble saiam pela primeira vez dos Estados Unidos para um palco do pincipal festival de jazz e blues do mundo.

Tocou em um palco secundário (como se fosse uma espécie de “comedoria”, nos Sescs brasileiros) para pouca gente. Surpreendentemente, foi vaiado por fazer releituras mais modernas e roqueiras de clássicos do blues. 

Diz outra lenda que tinha um certo artista bebendo água com gás e, mais tarde, uísque com soda no fundo, meio disfarçado. David Bowie ficou hipnotizado pela performance maravilhosa e pela forma de ataque na guitarra, fazendo blues e rock ao mesmo tempo.

Os puristas continuaram vaiando, enquanto meia dúzia de fanáticos se encantaram com a “reencarnação” de Jimi Hendrix e o blindaram ali mesmo, na frente do palco, gritando e o apoiando. Nascia ali a lenda que ombrearia em importância no blues oitentista a nomes como Eric Clapton, Robert Cray e Eric Gales.

Foi graças às vaias e á exibição apaixonada e visceral em Montreux, em 1982, que Stevie conseguiria finalmente um contrato para gravar o primeiro disco, “Texas Flood”, em 1983, mesmo ano em que que se enfurnaria em estúdio, tanto em Los Angeles como em Dallas, no Texas, para gravar alguma coisa com David Bowie.

Já mergulhando de cabeça nos excessos de todo o tipo, o guitarrista praticamente nem viu como se deu o convite de Bowie. Nem soube direito qual era o acordo para que participasse do próximo álbum de Bowie, que viria a ser “Let’s Dance”. 

Foram várias sessões de ensaios entre os dois e a banda de Bowie em Dallas no começo de 1983, mas parceria não durou muito, graças à insatisfação de Vaughan com o direcionamento musical. Quase nada se percebe da guitarra blueseira de Stevie em “Let’s Dance”. 

Ainda assim, a carreira do trio de Stevie Ray Vaughan decolou como um foguete. O sucesso dos dois discos seguintes, “Couldn’t Stand the Weather” (1984) e “Soul to Soul” (1985) algumas músicas no topo das paradas blues e pop da Billboard o transforaram em estrela, e foi assim que ele volou a Montreux.

Festejado e celebrado, foi considerado o nome mais e importante da edição de 1985. No palco principal, carregado or aplausos e elogios fartos, vingou-se das vaias de três anos antes – agora era a estrela principal dona do melhor cachê. Ovacionado, sua carreira subiu ainda mais em direção a prêmios como Grammy e International Blues Awards. 

Claude Nobs foi discreto e humilde ao falar sobre Vaughan. Se não fossem as vaias e a apresentação incandescente na “comedoria” em 1982, é provável que o guitarrista texano nunca explodisse. Foi o festival que o transformou em estrela internacional, para que depois fosse galgando os principais postos dentro da música americana. De forma irônica, depois do sucesso estrondoso de Montreux, em 1985, que pode ser considerado o primeiro auge de sua carreira, Vaughan mergulhou no abismo profundo dos excessos. 

No fundo do poço do álcool e das drogas, passou por várias as internações para reabilitação, mas as idas ao inferno foram proporcionais às vezes em que atingiu o topo como músico, ganhando a veneração de gente como Santana, Clapton, Buddy Guy, Albert King, Jeff Beck e muitos outros gênios. 

Foram muitos meses de reabilitação e recuperação a partir de 1986, com um hiato que quase acabou com a sua carreira. Imaginou-se que ele estava acabado quando, surpreendentemente, ele reapareceu em uma turnê norte-americana no começo de 1988.
Em forma, com a faca dos dentes e longe do álcool e das drogas, preparava novo voo ao sucesso, que veio triunfante no ano seguinte, com o maravilhoso álbum “In Step”, que lhe rendeu mais prêmios e muito mais prestígio. 

Quando estava consolidando a retomada, com um sucesso cada vez maior, veio a tragédia. Com um novo disco pronto, desta vez em parceria, finalmente, com o irmão maios velho, o guitarrista Jimmie Vaughan, Stevie imaginava que finalmente seria o grande o nome do blues moderno. e “Family Style”, o disco póstumo com o irmão, reafirmaria isso.

Em agosto de 1990, o helicóptero em que viajava caiu no Estado de Winsconsin, nos Estados Unidos. Steve Ray Vaughan participava de um festival de blues na cidade de East Troy ao lado do irmão Jimmie Vaughan, de Eric Clapton e Robert Cray.

Durante a madrugada de 27 de agosto, após o show, vários helicópteros foram colocados à disposição de músicos e técnicos para retornar ao aeroporto mais próximo. Não se sabe o porquê, mas Stevie queria porque queria voltar mais cedo para o aeroporto e ir para casa. 

Diante de tanta insistência, conseguiu um lugar na aeronave que levaria parte da equipe de palco de Eric Clapton – que também deveria estar no voo, mas desistiu à última hora de embarcar porque tinha mais gente querendo ir embora mais cedo.

Por volta de 1h daquela madrugada, três helicópteros decolaram sob intenso nevoeiro. Só dois chegaram ao aeródromo. Um deles, o que levava Stevie Ray Vaughan, chocou-se contra uma montanha nas proximidades de East Troy. 

Morto aos 36 anos de idade, não chega a ser tão cultuado como Hendrix, mas é venerado dentro meio musical. Deveria tocar em um festival de blues em Ribeirão Preto em setembro de 1990, embora ainda não tivesse assinado o contrato.

Se não fosse o festival de Montreux, na Suíça, há 40 anos, não conheceríamos um dos maiores guitarristas de todos os tempos.