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João Gordo (FOTO: EUGENIO MARTINS JUNIOR) 

Um “ogro” que amedronta, mas que canta Sidney Magal e se diverte. Como não admirar e não gostar de um punk desse tipo? Enquanto xinga crentes e detona políticos á frente da banda Ratos e Porão, o cantor João Gordo tira onda interpretando clássicos do brega em versões pesadas e hilariantes. E não é que deu certo?

O cantor mais importante da música punk nacional chega aos 60 anos de idade como um símbolo de contracultura e ativismo no rock, mas é também um sobrevivente de uma vida de excessos e de uma máquina de moer gente que se tornou o “show business” brasileiro.

Vegano, longe das drogas e do álcool, pode passar a imagem de um artista a caminho da terceira idade prontinho para vestir o pijama do conservadorismo e ávido para renegar o passado. 

Os vários problemas de saúde que quase o levaram à morte ao menos duas vezes podem ter freado a “vida louca”, mas o cérebro continua afiado, assim como a fúria contra a injustiça social e a corrupção. 

Um pensamento absurdo e estúpido, é claro. João Gordo está cada vez mais lúcido e irado, como é possível ouvi-lo em “Ncropolítica”, o mais recente disco dos Ratos de Porão, da qual é vocalista há 40 anos. 

Queira ele ou não, e queiram os detratores ou não, é o símbolo do punk brasileiro, ainda que o som dos Ratos tenha enveredado pelo hardcore e pelo heavy metal extremo

“Brutal Brega”, o projeto em que canta canções bregas ao ritmo mais pesado, é só uma das facetas curiosas e surpreendentes de um dos artistas mais originais do Brasil.

“Viva La Vida Tosca”, a autobiografia que coescreveu ao lado do jornalista André Barcinski, é um belo tributo a uma trajetória das mais interessantes dentro do entretenimento nacional, um livro que mostra que os demônios punks também choram.

Ligeiro, rápido e brutal às vezes, o texto aposta na agilidade e na simplicidade, quase como um dos petardos que transformaram o Ratos de Porão em um dos enormes nomes do punk rock e do hardcore mundiais. 

Ponto muito importante para Barcinski, que conseguiu transmitir, quase que com exatidão, a forma de o vocalista se expressar, desde o vocabulário coloquial e descompromissado, cheio de palavrões, até as interjeições e piadas.

É um milagre que esteja vivo aos 60 anos de idade? Ele não tem dúvidas disso ao relatar a quantidade industrial de “aditivos químicos” que ingeriu ao longo de mais de 40 anos, e coloca boa parte das bobagens que fez ao consumo desenfreado de drogas e bebida – outra parte, ele admite, foi por certa incapacidade (ou maturidade) de encarar a vida adulta e com responsabilidades. 

O João Gordo sensível aparece na forma carinhosa e respeitosa com que trata amigos, alguns desafetos e ex-namoradas, para se desmanchar em amores e elogios a Vivi Torrico, com quem casou em 2003 e teve dois filhos.

O ogro que canta Sidney Magal tem um coração gigante, como é sabido por todos. Chora ao reatar com os desafetos, se realiza ao distribuir marmitas veganas a grupos de moradores de rua e morre de rir quando encontra amigos de longa data para relembrar o passado, como ocorreu recentemente em um programa que comanda na internet ao conversar com Jão, guitarrista dos Ratos de Porão, e Clemente Nascimento, guitarrista e vocalista dos Inocentes e da Plebe Rude.

João Gordo é indestrutível e vai durar para sempre. Que sirva como bom companheiro para Keith Richards na imortalidade.