Escolha uma Página

Muita gente das gerações que curtem rock a partir dos anos 70 aprenderam a ouvir e gostar do estilo ouvindo Elvis Presley e os Beatles, quando não algumas babas do soft rock sessentista. Para essa gente, no máximo, havia um negro Jimi Hendrix como “intruso” no mundo branco.

Chuck Berry? Little Richard? Ike Turner? Fats Domino? Quem são/foram esses caras? Como Michael Jackson conseguiam tocar essas guitarrinhas com som de radinho de pilha?

Stevie Wonder? Sly and Family Stone? Michael Jackson? Tina Turner? Nada disso é rock, vomitam alguns idiotas que nunca escutaram nada além de Motley Crue e Cinderella. Living Colour? “Aquelas guitarras coloridinhas estragam tudo, fazem música ruim, misturando com funk, creeeeedo…”

Ainda hoje é possível escutar esse tipo de bobagem em diversos círculos roqueiros, especialmente entre aqueles que só ouvem as duas tais rádios rock de São Paulo e que transmitem para o resto do país e do mundo, as duas que tocam as mesmas músicas de sempre e os mesmos três clássicos de Hendrix de sempre.

Racismo ou desinformação? Ou mesmo a total falta dela? Provavelmente tudo isso ao mesmo tempo, mas ainda bem que temos gente como Liminha para colocar as coisas no lugar.

“Rock ‘n’ roll é musica de preto”, ele afirma. “Conheci Chuck Berry, tido como o pai do rock, depois de ouvir Little Richard, que teria sido o ‘arquiteto” do gênero’. ” a África e África é beat. Música sem preto não é legal.”

A declaração, definitiva e esclarecedora, foi dada ao apresentador Marcelo Tas, do programa “Provoca”, da TV Cultura, que irá ao ar na próxima terça-feira, 15 de fevereiro, às 22h.

Ele sabe do que fala, pois caminha para os 50 anos de carreira como músico e produtor que ajudou a formatar o rock nacional mais próximo do pop, aquele dos anos 80.

É uma declaração necessária no momento que cresce exponencialmente a violência contra negros neste país infeliz dominado por fascistas e milicianos, em que vizinhos negros correm o risco de serem mortos e suas famílias, escorraçadas de condomínios – e ainda temos de aguentar roqueiros reaças brancos ironizarem e parabenizarem os autores de violências desse tipo, e também as ações criminosas e assassinas de policiais militares no Rio de Janeiro e São Paulo.

Entre outras boas histórias, Liminha relembra os tempos das Frenéticas, famoso girl group carioca dos anos 70, do qual foi produtor. Ele revela que, durante gravações do grupo, quis introduzir em uma das canções, composta por Nelson Motta, o steel drum, ou tambor de aço, porém não encontrava músicos que o tocassem. Até que suas buscas o levaram a um bordel no porto de Santos: “Fucei, fucei, fucei﹒﹒porto de Santos.. tem uma banda caribenha lá e tem uns caras que tocam. Levei os caras ao estúdio.”

Tendo a produção musical como sua principal atividade desde 1977 até os dias de hoje, o trabalho de Liminha está inserido principalmente no cenário musical dos anos 70 a 80, quando fez parcerias com Gilberto Gil, Marina Lima, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor, Lobão, Kid Abelha e inúmeros outros.

Aos ser questionado por Tas sobre o porquê de alguns artistas criarem hits gigantes e depois nunca mais acertarem, o produtor responde que é “difícil fazer música” e que “ela é um enigma”. Liminha usa como exemplo a canção Como eu quero, da banda Kid Abelha e os Abóboras Selvagens. 
A música, composta e interpretada por Paula Toller, da qual ele faz a direção musical, impressiona o produtor pelo arranjo, pela letra e pela sequência harmônica, fora a própria interpretação de Toller: “quando ela toca Como eu Quero, meu amigo, o troço vem abaixo”, ele comenta.