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Com todos os planos reabilitados, as bandas alemãs de metal extremo vivem uma explosão de criatividade no período pós-pandemia – ou, pelo menos, após o período mais grave de disseminação da covid-19.

O Grave Digger parece um pouco cansado e pouco inspirado, tanto que revisitou um tema já abordado tantas vezes, mas manteve a dignidade com um trabalho bem feito.  Dois gigantes do thrash metal, por outro lado, voltaram com tudo e produziram máquinas de destruição com seus novos discos – Kreator e Destruction emergiram mais vigorosos e potentes.

– A banda Grave Digger, que já cantou sobre a história da Escócia, da Grécia Antiga, dos Cavaleiros Templário e da lenda do rei Arthur se volta novamente para o mundo medieval em seu mais recente disco, “Symbol of Eternity”. Os templários e as Cruzadas são novamente o tem de fundo, já abordado em “Knights of the Cross”, em 1998.

A fórmula é a mesma, assim como as ideias musicais. Musicalmente, todo é bem parecido com “Fields of Blood”, de 2020 – álbum dedicado às guerras de emancipação da Escócia entre os séculos XI e XIII, mesmo tema dos álbuns “Tunes of War” (1996) e “The Clans Are Still Marching” (2010).

Apesar de previsível, o Grave Digger dos últimos anos entrega álbuns de boa qualidade. Ok, é o mesmo de sempre, mas sabemos bem o que vem nos álbuns deste século. Mas os temas poderiam ao menos nos surpreender um pouco…

“Symbol of Eternity” segue a fórmula à risca: canções épicas, baladas dramáticas e finais bem pesados e esbarrando no power metal. A canção quer intitula o disco é a melhor, reunindo todos os clichês da banda, mas com bastante competência.

“Grave of God” é o grande baladão, lembrando muito “Queen Mary”, de “Tunes of War”, só que com mais peso e dramaticidade.

“The Last Crusade” tem boa letra e satisfaz como encerramento épico e grandioso, mas aqui também fica a sensação de reciclagem dos temas gravados nos anos 80. A timbragem das guitarras é muito semelhante, assim como a estrutura da canção.

As aulas de história continuam, mas a repetição dos temas cansa um pouco, assim como da fórmula de metal tradicional reto e sem variações. Ainda diverte, mas menos do que em épocas passadas.

– Querer altas doses de inovação e ideias diferentes no thrash metal é um direito, mas também é algo utópico. A fórmula raramente varia, e quem o faz precisa tr o estofo necessário, além de certa dose de genialidade, como nos casos de Metallica em Megadeth.

Com isso em mente, nomes importantes do subgênero do metal evitam passos maiores do que a perna alcança, e fazem muito bem. 

Os alemães do Destruction optaram pelo básico com muita intensidade em “Diabolical” e acrescentaram doses extras de energia. O resultado é quase death metal, com uma velocidade absurda e uma sede de sangue há muito tempo ausente nos álbuns do grupo.

Dá para dizer que é um disco que relembra boa parte dos bons tempos, com canções concisas, violentas e reverentes, digamos assim, a um passado em que a destruição imperava.

Havia os temores de que a saída do guitarrista Mike Sifringer colocasse por terra as possibilidades de continuidade do Destruction, ele que esteve por quase 40 anos liderando o barco com o baixista e vocalista Schmier.

Quem escuta o belo trabalho de guitarras perceberá diferenças, mas nada que deponha contra o trabalho. O substituto, o argentino Martin Furia, produtor consagrado de thrash e death metal, mostrou ótimo entrosamento com o outro guitarrista, Damir Eskic, e o resultado é estupendo: guitarras avassaladoras e muito peso.

“State of Apathy”, por exemplo, é atordoante, com uma violência incomum até mesmo para o thrash metal alemão em suas modalidades mais viscerais. O mesmo pode-se dizer de “Hope Dies Last”, com sua tempestade de riffs e alucinantes solos em velocidades incalculáveis.

Não há sossego em nenhum momento. “Tormented Souls” arrebenta ouvidos com mais  tempestades de riffs, enquanto “No Faith in Humanity” as coisas ficam mais insanas, com duas guitarras escalando riffs e detonando solos ao mesmo tempo. Caos total na aparência, mas tudo sob controle na insanidade…

Há outros bons momentos, como “Repent Your Sins”, um pouco mais cadenciada, mas com peso extra nos riffs, e “Diabolical”, uma porrada embasa em um trabalho de guitarras mais simples, mas muito velozes e despejando uma tonelada de efeitos, fazendo com que tudo fique mais pesado.

Como Schier disse em várias entrevistas, a pandemia de covid-19 represou uma quantidade incalculável de energia, que arrebentou diques e inundou o ano de 2022 com álbuns irados e demolidores. “Diabolical” é um deles.

– A mesma gana demonstrada pelo Destruction podemos identificar em “Hate Über Alles”, o trabalho mais recente de outra lenda alemã do thrash metal, o Kreator. Essa obra é tão furiosa e contundente quanto a do Destruction, mas com um diferencial: uma produção mais esmerada, que realça certos arranjos e que coloca o clima de fim de mundo bem na cara, como na faixa-título.

O ódio do título encontra a fúria sem medida de uma banda que também represou a energia violenta durante a pandemia de covid-19. O Kreator decidiu despejar tudo de uma forma poucas vezs em relação à violência sonora. É thrash metal em estado puro de combustão.

Se o Destruction optou pela velocidade e pelas guitarras incisivas, o Kreator preferiu revisitar suas raízes mais tradicionais do heavy metal, com riffs mais elaborados e encorpados, com solos nem tão supersônicos, mas brilhantes e virtuosos.

“Killer of Jesus” é o típico som pesado germânico, com o mundo desabando por meio de riffs que fincam estacas nos ouvidos e não permitem pausas para respiração. 

“Crush the Tyrants”, mais cadenciada, aposta em riffs cavalares e “cavalgadas” bem ao gosto dos anos 80, mas tudo com uma timbragem moderna e que preenche todos os espaços, com referência – e reverência ao que o Grave Digger fez nos anos 90.

Abordado o ódio como instrumento político, assim como a sua disseminação, o Kreator não economiza nos ataques e vai para cima em “Strongest of the Strong” bradando gritos de guerra calçados em riffs que estão entre os melhores já elaborados pela banda – devidamente valorizados pela produção de alta qualidade.

“Become Immortal” vem na sequência, colada, e faz uma bela homenagem ao thrash alemão dos anos 80 apostando em riffs consistentes e melódicos, algo não muito comum na música do Kreator. Não é tão rápida, mas é muito pesada, da mesma forma que a canção que quase emenda com essa, “Conquer and Destroy”, que é a mais clichê e comum do disco.

As coisas ficam mais interessantes em “Midnight Sun”, um thrash com estrutura de hard’n’heavy e a  participação da cantora pop alemã Sofia Portanet, que se sai em um ambiente hostil ao seu estilo e foi muito bem no videoclipe. É uma canção não tão extrema e que faz algumas concessões, o que mostra a versatilidade da banda.

Não há descanso até o final, com destaque para a forte e instigante “Pride Comes Before the Fall”, um potente soco no estômago com mensagem direta contra a cegueira planetária em relação à destruição do meio ambiente e dos inúteis conflitos que minam as energias dos ecossistemas. “Dying Planet” é o arremate bem elaborado de uma obra de muito bom gosto e que transborda inteligência e qualidade.