Escolha uma Página

Cena do filme ‘Elvis’ (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Eduardo Kaneco – do site Leitura Fílmica

Anima saber que Baz Luhrmann retorna ao musical, pois nesse gênero ele dirigiu sua obra-prima, “Moulin Rouge: Amor em Vermelho” (Moulin Rouge!, 2001). Porém, Elvis é, acima de tudo, uma cinebiografia, e não um musical com diálogos em forma de música. Portanto, Luhrmann não tem toda a liberdade criativa à sua disposição, o que pode ser bom ou ruim.

À primeira vista, deixar Luhrmann solto demais pode ferir a credibilidade na narrativa. Isso acontece, por exemplo, quando o filme mostra a descoberta do dom de Elvis Presley para a música em uma cena fantasiosa. 

Ainda menino, como ele morava em um bairro de negros, ele observa com os coleguinhas um músico de blues em um pequeno bar com um casal dançando sensualmente e, logo em seguida, uma missa com música gospel. 

Então, como num transe, ele adentra o recinto, proibido para brancos, e cai no chão como se estivesse possuído. Felizmente, o longa não chega a esse limite no restante da narrativa.
Um musical a la Baz Luhrman

Só que Luhrmann não abre a mão de repetir o ritmo de montanha-russa de Moulin Rouge. Montagens rápidas e travellings homéricos carregam a história. O cineasta australiano é um esteta, e aproveita toda oportunidade para exercer a sua especialidade. 

Como, por exemplo, ao replicar o visual dos filmes que Elvis Presley estrelou nos cinemas nos anos 1950 e 1960. Da mesma forma, ele usa as telas divididas que inundavam as filmagens de seus shows nos anos 1970. 

Porém, em certos trechos notamos um abuso nas montagens. Quantas vezes ele recorre àquela cena de Elvis menino ouvindo blues e gospel? Faz sentido e é esperto esse uso quando Elvis retorna às raízes no especial de Natal de 1968, mas é clichê repetir o momento no trecho em que ele sofre um colapso e vê sua vida passar pela sua mente.

Por outro lado, o filme “Elvis” rebate a tradição dos musicais de usar a letra da música como ferramenta narrativa. Espertamente, as letras reforçam a mensagem da cena, como as de “Trouble”, que o protagonista canta à revelia no lugar de uma balada comportada. Ou, então, num uso ainda mais inteligente, quando ganham uma conotação cínica. 

Nesse sentido, se destaca a canção “Suspicious Mind”, num dos shows durante a residência fixa no chamado Hotel Internacional (no filme). Já era o ocaso da relação de Presley com seu empresário, o Coronel Tom Parker (Tom Hanks), e a letra se relaciona com uma negociação leonina que Parker conduz naquele momento.

Elvis e o Coronel

Elvis possui apenas dois protagonistas, o próprio artista e o seu empresário. Os demais personagens, mesmo a esposa Priscilla Presley (Olivia DeJonge), participam pouco da trama. 

Tom Hanks usa a sua habilidade de mimetismo físico e comportamental para construir o Coronel Tom Parker. Embora ele seja indiscutivelmente o vilão dessa história, pois sugou ao máximo o seu contratado até ele não aguentar mais, Parker é o narrador do filme. E ele conta tudo sob o seu ponto de vista, ou seja, se defendendo. 

Aqui, o enredo foge do lugar comum e força o espectador a não engolir, sem pensar, o que ele ouve ou assiste durante a projeção. Um exercício crítico importante para todos. E Hanks faz um vilão odioso sem exagerar na atuação, sempre deixando uma margem para dúvidas.

Já para o difícil papel principal, a produção arrisca num ator com mais créditos em obras para a TV do que para o cinema. Para as telonas, Austin Butler fez papéis secundários em Era Uma Vez Em Hollywood (Once Upon a Time in Hollywood, 2019) e Os Mortos Não Morrem (The Dead Don’t Die, 2019), entre outros filmes menos conhecidos. 

Além disso, o risco aumenta porque o ator não se parece fisicamente com Elvis Presley. Está mais para uma semelhança do que para uma cópia fiel, como foi o caso de Rami Malek vivendo Freddie Mercury em Bohemian Rhapsody (2018). 

Fora dos palcos, como a atuação de Butler é poderosa, esse aspecto quase passa desapercebido. Porém, nas apresentações ao vivo, isso incomoda. Mas, sejamos francos, ninguém conseguiria reproduzir o magnetismo de Elvis Presley nos palcos.
Um Elvis ainda maior

Pelo menos, o filme “Elvis” consegue manter o aspecto mítico dessa lenda da música, inclusive acrescentando uma preocupação política e social que faz todo o sentido. Afinal, ele cresceu muito próximo da cultura afro-americana. Aliás, essa abordagem nos faz imaginar qual seria o seu papel contra a segregação e o racismo se o Coronel não o tivesse sufocado. É uma pena que Elvis deixou o prédio cedo demais.

Elvis | Elvis | 2022 | 2h39 | Austrália, EUA | Direção: Baz Luhrman | Roteiro: Baz Luhrman, Sam Bromell, Craig Pearce, Jeremy Doner | Elenco: Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Helen Thomson, Richard Roxburgh, Kelvin Harrison Jr., David Wenham, Kodi Smit-McPhee.

Distribuição: Warner.
Trailer: Assista em: https://youtu.be/YP5D6vTRlsU