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“Já ouvi falar desse músico… aquele que descobriu Eric Clapton, né?” A heresia ainda é cometida no dias de hoje a respeito do multi-instrumentista inglês John Mayall, que ainda convive com essa “sombra” de seu mais famoso pupilo. 

O decano do blues britânico – seria o seu “criador”? – chega aos 90 anos de idade com uma carga imensa de serviços prestados à música mundial. Ainda toca seu piano, sua guitarra e sua gaita por aí com menos frequência, e seu mais recente disco, “Nobody Told Me”, de 2019, é ótimo, dado ares de imortalidade ao blues.

Mayall não descobriu Eric Claptou – o guitarrista já era famoso em 1965, aos 20 anos, quando trocou os Yardbirds pelos Bluesbreakers de Mayall -, mas certamente ajudou a lapidá-lo em quase um ano e meio de colaboração. Foi a partir daí que Clapton criou o Cream e decolou.

Os mesmos que cometem a heresia de reduzi-lo a mero “olheiro” para descobrir talentos são incapazes de identificar os inegáveis méritos artísticos e musicais do decano.

 Com imenso talento e vocação para a liderança. Estabeleceu os fundamentos do que viria a ser a música pop britânica e criou do nada uma cena, ainda que incipiente, de jazz e blues em Londres dos anos 50.

De certa forma, sentiu-se meio frustrado quando foi assaltado pelo pop inglês com o estouro dos Beatles e o súbito interesse pelo blues das bandas Yardbirds, animals e Rolling Stones. E ele, já passado dos 30 anos se perguntava: onde eu me encaixo nisso?

Quando acolheu o purista Clapton em sua banda, em 1965, sentiu que  reconhecimento estava batendo a sua porta. Os holofotes finalmente se viravam para a cena blues underground e os seus Bluesbreakers se tornaram mundialmente famosos.

“John Mayall and the Bluesbreakers featuring Eric Clapton”, o único disco da parceria, virou um clássico instantâneo, embora jamais um fenômeno de vendas, mas o suficiente para colocar o nome do decano entre os grandes artistas do país e proporcionasse o sonho de tocar nos Estados Unidos algum tempo depois.

A rápida passagem de Clapton rendeu a visibilidade, mas a vida continuou árdua, embora nunca faltasse trabalho. Resignado com a pecha de ” banda incubadora de guitarristas”, Mayall refinou o repertório dos Bluesbreakers e seguiu sendo um bastião de alta qualidade, o que aumentou ainda mais a sua fama.

Magnânimo e generoso, deu a chance para um tímido Peter Green substituir Eric Clapton – durou pouco, pois logo em seguida criou o Peter Green’s Fleetwood Mac, seminal banda de blues britânica. 

Não perdeu temo e logo achou outro moleque tímido, Mick Taylor, 20 anos, que seria uma espécie de Clapton mais vigoroso e clássico. Como vitrine do blues europeu, teve de aguentar o olho gordo dos gaviões e logo perdeu o novo pupilo para os Rolling Stones, que tinham demitido o instável Brian Jones.

E assim foi ao longo dos anos com craques da guitarra, como Coco Montoya, Buddy Whittington, Harvey Mandel e muitos outros. E tudo isso para apenas citar outros gênios que estiveram sob sua batuta em algum momento, como o baixista John McVie e o baterista Mick Fleetwood, que saíram para se juntar a Peter Green.Se o sucesso pop não apareceu, a vida, no entanto, lhe foi generosa ao lhe reservar um lugar de honra no Olimpo da música britânica. 

Perdeu a conta de quantas vezes foi homenageado pelo mercado e pelos amigos; teve a ingrata missão de fazer a seleção de quem iria tocar no concerto de aniversário de 70 anos, pois a fila era tão grande que quase tomaria conta de parte dos assentos do público.

Aos 90 anos de idade, é um dos raros artistas que se tornaram sinônimo de um gênero musical. Blues britânico? A associação com Mayall é imediata. nada mal para o pianista de classe operária que um dia ousou sonhar com uma pequena plateia ara vê-lo tocar…