Escolha uma Página

The Who acabou para salvar Pete. Não foi exatamente com essas palavras, mas foi isso o que quis dizer Roger Daltrey no comecinho de 1984, quando começava a divulgação de seu disco solo “Parting Should Be Painless” e pouco depois do anúncio da confirmação de que a banda não existia mais.

Foi um parto doloroso, e Daltrey contou apenas uma parte da verdade. O fato é que Pete Townshend, o guitarrista e líder, tinha saído de uma reabilitação brava em 1982 para se livrar do vício em álcool e drogas pesadas direto para aquela que seria a última turnê da banda até então.

Foi só o último dos grandes problemas que The Who enfrentava desde a morte do baterista Keith Moon, em 1978, e então, de forma relutante, de certa forma, o quarteto decidiu em maio de 1982 que a próxima turnê americana seria a última. E então, de repente, parecia que tudo se resolvera – o quase.

E então, um pouco antes do Natal, The Who fez seus últimos shows no Maple Leaf Garden, em Toronto, nos dias 17 e 18 de dezembro, encerrando a “Farewell Tour”, que seria registrada em LP duplo, lançado 1985, no álbum “Who’s Last”, e novídeo em VHS “Rocks America”, de 1986.

Se dependesse de Townshend e Daltrey, o fim seria definitivo, mas o baixista John Entwistle passou anos forçando a barra para a volta da banda – sempre com as contas no vermelho e nunca por conta da inexistente camaradagem entre eles.

Daltrey realmente estava preocupado com as recaídas de Townshend naquele ano de 1982, mas elas não ocorreram. Renascido, o guitarrista voltou com tudo e deu conta de lançar o seu melhor disco solo – “All Cowboys Have Chinese Eyes”, mais pop – e um razoável disco do Who, “It’s Hard”.

No entanto, a amizade e a condescendência do vocalista iam somente até certo ponto. Ele não suportava mais tocar com Kenney Jones, ex-Faces e Small Faces, que tinha substituído Keith Moon, morto em setembro de 1978, por imposição de Townshend.

Também não suportava ter de colocar os seus interesses em segundo plano diante da intermitência do trabalho com a banda, enquanto Townshend mantinha vários projetos paralelos, entre eles uma editora de livros e uma livraria concorrida em Londres.

Cada vez mais requisitado como ator, forçou a barra para que a banda tirasse férias por tempo indeterminado para que pudesse atender aos cada vez mais numerosos convites para atuar no cinema. Não abriu mão e disse que não sabia quando voltaria.

Enfurecido, Entwistle deu um ultimato: sem shows ao vivo ele não permaneceria no Who. No meio do tiroteio, Townshend decidiu acabar com tudo, mas obrigou a todos a fazer uma última e muito rentável turnê americana. Há 40 anos, o Who chegava ao fim.

Emburrado, o baixista cortou relações com os ex-companheiros e achou que poderia encarar uma carreira solo rentável e participar de projetos de vários amigos. Não deu certo e não lançou um único álbum digno de nota até a década seguinte.

Townshend se associou a David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd, em uma frutífera parceria entre 1984 e 1986. Gilmour estava em litígio com Roger Waters pelo uso do nome Pink Floyd e colocou a banda em compasso de espera. Townshend compôs a música “All Lovers Are Deranged”, que foi incluída no disco “About Face”, de Gilmour, lançado em 1984.

No ano seguinte, o guitarrista foi coautor de duas canções do álbum “White City- A Novel”, de Townshend, a faixa-título e a maravilhosa e pesada “Give Blood”. No segundo semestre daquele ano, Gilmour foi o convidado especial da turnê europeia de Townshend.

Roger Daltrey aproveitou o tempo mais livre pra tentar a carreira de ator e engatar uma sequência de álbuns solo de qualidade – “Parting Should Be Painless” (1984), “Under a Raging Moon” (1985, o melhor de sua carreira solo) e “Can’t Wait to See the Movie” (1987).

Apesar de nunca ter desfrutrado de uma amizade com Townshend – nunca jantaram juntos em suas respectivas casas e nunca saíram para tomar uma cerveja, segundo Daltrey -, o respeito profissional sempre foi grande e mantiveram contato.

O maior hit da carreira de Daltrey, por exemplo, foi uma canção de Townshend que tinha sido guardado para um álbum do Who que nunca ocorreu. “After the Fire” está no disco “Under a Raging Moon” e teve parte de sues direitos enviados a instituições de caridade.

A reaproximação de todos veio no final de 1987, quando Townshend convidou os ex-companheiros para participações especiais em seu disco solo de 1988, “The Iron Man”.

A ideia era que Daltrey e Entwistle cantassem e tocassem em algumas músicas, mas os produtores sugeriram que The Who fosse creditado em pelo menos duas músicas, naquela que foi a grande novidade roqueira do ano. A banda e músicos de apoio tocaram em “Dig” e “Fire”, esta uma versão de Arthur Brown.

No estúdio mesmo o antigo empresário do grupo, Bill Curbishley, sugeriu a volta da banda “apenas” para uma turnê norte-americana e britânica para comemorar os 2O anos de lançamento do álbum Tommy, em 1989, tocando o disco duplo na íntegra.

Concorridíssima e lucrativa, a turnê foi um imenso sucesso, e deveria ter parado por aí. Só que os 50 anos de Daltrey foram comemorados com um grande shows em 1994 na cidade de Nova York, com Townshend e Entwistle participando, mas separadamente, em algumas músicas. Foi a deixa para que nova turnê de reunião ocorre em 1996 e, depois, em 1999.

São 60 anos desde que os três se encontrara, em meados de 1961, nos Detours, que viraram The Who em 1964 com a entrada do baterista Keith Moon. Para uma banda que implodiu e sobreviveu à morte de dois de seus integrantes clássicos, parece um milagre que ainda esteja tocando em 2022.

O fim definitivo não está longe, mas a dupla e sua banda de apoio mostram alguma vitalidade e garantem que farão um encerramento de carreira digno, mas não antes de 2023.