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 Houve um tempo em que o mercado musical brasileiro parecia tão maduro e profissional, com excelentes perspectivas, que propiciava o desenvolvimento de ideias cada vez mais extravagantes e diferentes, quando não malucas. E quase tudo dava certo – se ninguém ganhava horrores, ao menos os empreendimentos se pagavam e geravam coisas de bastante qualidade.

“William Shakespeare’s Hamlet” foi uma das iniciativas mais bacanas e inteligentes do período, lançado há 20 anos e ainda impressionando pela qualidade e pela monstruosidade do projeto. 

Mal sabíamos que o projeto era o princípio do fim de uma era de movimentação intensa na música nacional. Depois disso, a partir de 2001, a música começou a ficar muito fácil e grátis e as gravadoras começaram a reter investimentos até a destruição do mercado fonográfico ocorrida em meados da primeira década do século XXI.

O ambicioso projeto de musicar a obra maravilhosa do dramaturgo e escritor inglês surgiu na Die Hard, uma usina de cultura e música de bom gosto em São Paulo e que existe até hoje. A loja de discos e DVDs se aventurou na produção de música e de shows na época e alcançou bons resultados, mas que, infelizmente não foram duradouros.

Sorte nossa que tivemos “William Shakespeare’s Hamlet”, que reuniu diversas bandas e cantores para musicar e dar vida, de uma forma diferente, à peça teatral mais encenada do autor inglês.

Foram três anos de trabalho encabeçados por Fausto Mucin e André Luiz Mesquita, os proprietários da Die Hard. Apesar dos ventos favoráveis na época, o trabalho foi imenso e intenso, começado pela elaboração do conceito, composição das letras, traduções e direcionamento musical de vários artistas.

 Deu tanto trabalho que Mucin e Mesquita praticamente decidiram ficar somente no ramo de comércio de música, produzindo eventualmente uma outra banda pelo selo Die Hard.

Adriano Villa foi o responsável pela pesquisa e elaboração dos poemas que foram musicados. Contou com a colaboração de Alexandre Calleri, que era o baterista da banda Delpht, que foi o responsável pela tradução dos poemas de Villa para o inglês arcaico.

A parte musical teve a participação de dois coprodutores brasileiros – Flávio Borges e Philip Colodetti, este gravando quase tudo no estúdio Creative. A mixagem e a masterização ficaram por conta dos produtores e músicos alemães Sascha Paeth e Miro, que já trabalharam com Angra, por exemplo.

A difícil escolha das bandas teve o dedo de \Mucin e Mesquita, com a ajuda dos coprodutores, e envolvem nomes como André Matos, Santarem, Delpht, Torture Squad, Fates Prophecy, Symbols (com Edu Falaschi nos vocais), Hangar, Tuatha de Danann e algumas outras.

O resultado foi primoroso e muito elogiado no Brasil e no exterior, com resultados comerciais satisfatórios. Foi um marco importante na produção musical brasileira e seria ainda maior se o mundo não tivesse virado de ponta cabeça nos anos seguintes.

“Jamais pensávamos que o projeto fosse o sucesso que se tornou”, relembrou Fausto Mucin em declaração â revista Roadie Crew. “O projeto se pagou e deu algum lucro, mas o mais importante foi a repercussão que teve no Brasil e no exterior. Foi fantástico. Até hoje é lembrado pela sua qualidade.”

Mucin acredita que o trabalho enterrou, de uma vez por todas, a imagem de que o rock brasileiro era tosco e de baixo valor cultural. “Não se tratou de mostrar erudição, mas de mostrar que era possível fazer coisas bacanas e de muito valor cultural. Ficou claro que o rock era capaz de produzir coisas fantásticas.”