Kiko Loureiro (FOTO: DIVULGAÇÃO)R
Recriminações e críticas fazem parte da vida de pessoas públicas, e mais ainda de ídolos ou pessoas muito admiradas. Não importam circunstâncias e motivos: decisões importantes e impactantes sempre serão consideradas inaceitáveis por fãs mais radicais.
Até hoje muita gente não se conforma com a saída de Max Cavalera do Sepultura e, mais ainda, da recusa dos atuais integrantes da banda em aceitar uma reunião com os irmãos Max e Iggor Cavalera.
O alvo da vez é o guitarrista Kiko Loureiro, que oficialmente está fora do Megadeth, uma das grandes forças do heavy metal mundial, uma banda que se aproxima dos 40 anos e que é o sonho de muitos guitarristas.
Ele anunciou seu afastamento em setembro do ano passado. Era para ser por alguns shows, mas depois ele estendeu a ausência para o ano de 2024 inteiro, indicando que a saída era iminente. A banda, finalmente, oficializou a sua substituição pelo finlandês Teemu Mantysaari.
Ao programa “Amplifica”, apresentado pelo guitarrista Rafael Bittencourt, seu ex-companheiro de Angra, ele deu alguns indícios dos motivos reais, que foram detalhados em uma entrevista à revista americana Guitar World.
Aos 51 anos de idade, o brasileiro mora na Finlândia, embora mantenha (ou mantinha) uma residência em Los Angeles, na Califórnia. É casado e pai de uma menina de 12 anos e de gêmeos de 7.
Especulou-se que houve problema de saúde com uma das crianças, mas isso não ocorreu. A decisão foi mesmo pela família – não aguentava mais ficar longe dos filhos em fase de crescimento. Culpou-se por não vê-los crescer. “Quem tem filhos sabe do que estou falando.”
É um tema bastante delicado e que quase não é abordado na imprensa musical. Nem mesmo quando foi o caso de uma demissão de uma cantora de banda europeia porque ficou grávida do terceiro filho, “atrapalhando” os planos e negócios.
Como lidar com essa circunstância inerente ao mundo artístico e esportivo? Atrizes e musicistas ficam grávidas, é natural e quase sempre desejável. É justo que abram mão de suas vidas pessoais por imposições diversas?
“Quando o músico é solteiro ou casado e sem filhos a coisa é diferente, lidamos de forma mais suave e sem grandes atribuições pessoais. Com filhos pequenos fica difícil, com turnês longas e extenuante. A cabeça às vezes fica em outro lugar”, disse o músico. É uma questão de saúde mental, algo que também é relevado por músicos em todos os graus numa carreira artística.
Quem passou por situação complicada relativa aos filhos foi Felipe Andreoli, baixista do Angra, ex-companheiro de Kiko na banda e colaborador do guitarrista no trio instrumental deste. Aos 43 anos, é pai de dois garotos com idades entre 2 e 4 anos.
Quando da vinda da banda Sons of Apollo ao brasil em 2022, o baixista Billy Sheehan não foi autorizado a entrar no país porque não tinha tomado nenhuma vacina contra a covid-19. Na emergência, Andreoli substituiu o americano, a quem admira muito.
Na preparação para os ensaios antes dos shows no Brasil, o baixista brasileiro precisou dormir no hospital por conta de um problema de saúde de um dos filhos, internado por alguns dias. Profissional dedicadíssimo, levou o baixo para o quarto do hospital para tirar a músicas.
Para ele, era uma chance imperdível tocar com o músico que mais admira, o baterista Mike Portnoy, que hoje voltou ao Dream Theater. O que fazer se a situação do filho criança fosse mais séria ou se agravasse?
É inacreditável quado essas informações ficam públicas e ao alcance de todos e, mesmo assim, a intolerância predomina e prevalece nos comentários das redes sociais.
“Brasileiro é subdesenvolvido mesmo, pensa pequeno. Como pode abrir mão de tocar em uma banda famosa?”, escreveu um tonto no X/Twitter. “Conseguiu o que todos almejam e agora joga fora? Não merece mesmo ter sucesso”, decretou outro no Instagram.
A insensibilidade foi mais além do que isso, com muitos desqualificando o guitarrista brasileiro e duvidando de sua história e de sua capacidade de permanecer em uma banda gigante como o Megadeth.
Claro que Kiko sabe como é a rotina massacrante de uma banda bem-sucedida, Fez várias com o Angra, e não de hoje que tem de fazer longas viagens apenas para ensaiar e se juntar aos colegas de trabalho. Há pelo menos 15 anos mora no exterior, ora na Europa, ora na Califórnia. O custo pessoal e mental é alto e pesado.
E são vários os exemplos de músicos célebres que interromperam a carreira e saíram de bandas grandes em busca de certa paz de espírito. Entre os veteranos, Jon Lord (1941-2012), do Deep Purple, deixou o grupo em 2002.
Paul Quinn, guitarrista do Saxon, que fundou em 1975, anunciou no ano passado que não faria mais turnês, forçando a banda a adiar por meses uma turnê sul-americana.
Em bandas não tão antigas, há o caso de Dave Keuning, guitarrista da banda americana The Killers, que era o cérebro criativo da banda e preferiu sair em 2017 alegando exaustão completa, entre outras coias.
É mais ou menos a mesma coisa que ocorreu com os Titãs ao longo de seus mais de 40 anos de trajetória; dos nove integrantes originais que subiam aos palcos em 1983, sobraram três, que ainda mantém a banda na ativa – a turnê Titãs Encontro, com os sete músicos vivos, é apenas comemorativa.
Questões de saúde mental e eventual negligência familiar já causaram o fim de muitas bandas de rock e de música pop.
Desde sempre a saúde mental é deixada de lado e incompreendida por fãs e admiradores de artistas e atletas de ponta. O assunto é tabu e difícil de abordar, facilitação a disseminação de ódio, ressentimento e rancor, evidenciando a total insensibilidade do “mercado” e do “público”.
Como alvo da vez, Kiko Loureiro não merecia por mais esta prova de fogo por parte dos próprios fãs. Certamente os três filhos do guitarrista vão agradecer no futuro.