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Depois de mais um evento beneficente em prol da Prince’s Trust Cancer Teenager, em Londres, da qual é patrono, o cantor Roger Daltrey deu vários sinais de que sua retirada dos palcos é iminente, ao completar 80 anos neste mês de março.

Com sua banda solo, encerrou o minifestival recebendo no palco astros como Robert Plant (ex-Led Zeppelin), Paul Weller (ex-The Jam), Eddie Vedder (Pearl Jam) e Kelly Jones (Stereophonics) para uma versão potente e estendida de “Baba O’Riley”, de sua banda, The Who, e foram várias as insinuações de que ele e a própria banda, há 62 na estrada, estão na reta final.

O principal indício foi o anúncio de que deixaria de ser o principal curador artístico do evento Prince’s Trust após quase 30 anos ajudando a entidade e convencendo artistas a tocarem de graça no concerto beneficente anual. Ele e The Who protagonizaram vários desses concertos dese 1996.

O seu comprometimento com a entidade é tão grande que, em 2007, leiloou o ingresso que recebeu das mãos de Plant para assistir ao último show da história do Led Zeppelin.

Seria um final melancólico para a longeva The Who se não fosse por uma iniciativa que deve ocorrer até o meio do ano. Não passa de uma iniciativa requentada, mas que deve alegrar um pouco os que admiram a banda;

Deve chegar nas plataformas digitais, de forma separada, o segundo concerto acústico ao vivo da carreira do Who, que antes só havia sido lançado como complemento, na edição limitada de luxo, do último álbum com músicas in´ditas da banda, “WHO”, de 2019. – “Live at Kingston”, gtavado em um boteco de Londres, com clima de boteco. É também uma forma de marcar os cinco anos daquele disco que deve ser o epitáfio de Daltrey e do parceiro, Pete Townshend.

A data era muito especial. Aquele 14 de fevereiro comemorava exatamente os 50 anos do icônico show que virou LP e depois CD duplo, CD quádruplo e que frequenta as listas de melhores álbuns ao vivo: “Live at Leeds”, gravado na universidade daquela cidade inglesa.

A data seria especial também porque seria o último show – eles não sabiam – antes da paralisação total por conta da pandemia de covid-19, que foi devastadora no Reino Unido e está em segunda onda por lá.

Naquele 14 de fevereiro de 2020, um The Who modificado sobe ao palco para uma apresentação acústica em um pub acanhado do oeste de Londres. Apresentação acústica?

The Who no palco do Pryzm em 14 de fevereiro de 2020 (FOTO:THEWHO.COM/BOBBY_MEDIA)

Seria apenas a segunda vez que o Who faria algo parecido – lá em 1999, nos Estados Unidos, fizeram um show desse jeito para a fundação beneficente de Neil Young, Bridge Benefit, em prol de entidades que incentivam pesquisas e tratamento de pessoas com paralisia cerebral. Dois filhos de Young nasceram com esse problema.

Claro que foi algo bem planejado, já que seria gravado ao menos em áudio para a nova edição de “WHO”, o álbum de inéditas de 2019. Virou um CD bônus, o que foi uma ideia fantástica. E agora deve ser lançado nas plataformas digitais de forma independente.

Parecendo prever o que viria para o resto do ano, The Who escolheu o Pryzm, pub do bairro de Kingston com certo espaço na pista para reunir amigos, parentes e colaboradores de sempre da banda para uma celebração – pelos 50 anos de “Live at Leeds” e pelo então novo álbum, o segundo com inéditas depois de 37 anos.

A banda também estava diferente para a ocasião. Pete Townshend (guitarra e vocais) e Roger Daltrey (vocais) estavam acompanhados pelo guitarrista onipresente Simon Townshend, irmão de Pete e músico de apoio há 24 anos. Mas cadê Zak Starkey, o baterista filho de Ringo Starr? E Pino Palladino, o eterno substituto de John Entwistle?

Por questões de agenda e outros compromissos, o Who teve de se virar com outra formação. Sem baterista, Pete chamou a interminável percussionista Jody Linscott, que tocou com ele e com o próprio Wjho em diversas ocasiões desde 1985 – outra boa sacada.

Para o baixo, outro amigo de longa data, Phil Spalding, músico de estúdio e de bandas de apoio de inúmeros artistas britânicos. Para completar a celebração entre amigos, Billy Nicholls, que foi diretor artístico de várias turnês da banda, reapareceu nos vocais de apoio, no fundo do diminuto palco. 

O cantor Nicholls foi um dos que apoiaram Townshend na gravação do primeiro álbum solo deste “Who’s First”, em 1972, e também foi o diretor musical da trilha sonora do filme “McVicar”, estrelado por Roger Daltrey em 1980 e que se transformou em um álbum solo do vocalista do Who.

Como tinha de ser, o acústico do Who foi uma apresentação despojada, quase improvisada, com muita falação entre as músicas e um discurso longo que serviu de introdução ao CD bônus, intitulado apenas “Live at Kingston”.

Foram dois dias de shows, 12 e 14 de fevereiro, com dois sets em cada um dos dias, totalizando uma hora de performance em cada um dos sets. Aparentemente, o último do dia 14 foi o escolhido para o registro das músicas. 

E foram apenas sete para o bônus do álbum “WHO”, muito pouco pela expectativa que gerou. Pelo menos o repertório escolhido agradou pelas surpresas, como a antiquíssima “Tattoo”, de 1967, ou o desprezado country rock “Squeeze Box”, de 1975, do álbum “The Who By Numbers”.

Duas canções novas mantiveram o ar de surpresa e de novidade – “Breaking the News”, que ficou interessante desplugada, e a country “She Rocked My World”, um tema apenas razoável e totalmente dispensável.

De hits, apenas “Substitute” e “The Kids Are Alright”, clássicos absolutos que foram singles nos anos 60, e o hino eterno “Won’t Get Fooled Again” em uma versão meio desleixada e preguiçosa.

Para o ouvinte comum, ganha importância por ser uma raríssima oportunidade para escutar o Who “unplugged”, um formato que sempre mereceu o desprezo de Townshend e Daltrey.