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 Parecia que tudo estava bem. A frieza do estúdio e as dificuldades de relacionamento, de repente, tinham sumido e os rapazes resolveram relaxar fazendo um showzinho para os funcionários e para a vizinhança.

Os funcionário não gostaram muito, pois tiveram que levar todo o equipamento para o telhado. E então a maior banda do mundo e de todos os tempos fez um “ensaio” aberto e ao ar livre no gelado mês de janeiro de 1969.

A ideia dos Beatles era meio estapafúrdia, mas todo mundo embarcou nela. Ninguém aguentava mais as sessões de gravação do filme e LP “Get Back”, todo mundo se estranhava e brigava, mas quando subiram ao telhado da Apple, a empresa deles, parece que o vento frio do dia 30 de janeiro levou para longe as tensões. E os caras curtiram tocar ao vivo, na frente de algumas pessoas, depois de quase três anos do fim das turnês cansativas.

A parte final do filme “Get Back”, a versão de Peter Jackson para as filmagens complicadas do disco que só viria a ser editado em 1970, é o tal do ensaio aberto no telhado na Apple, que ficou conhecido mundialmente como “Rooftop Concert”, ou o Show do Telhado, interrompido depois de uma hora pela polícia de Londres.

O show será exibido em muitas partes do mundo em cinemas e agora acaba de chegar em CD e na plataformas digitais neste final de janeiro. Era o sonho de todo beatlemaníaco que passou anos em busca de gravações piratas dessa performance com um mínimo de qualidade.

John Lennon e Paul McCartney eram os mais animados. Foram os que mais sentiram o clima pesado das gravações de “Get Back” nos galpões de Twickenham, um subúrbio de Londres.

ideia foi de McCartney, que imaginava não ser possível gravar um documentário sobre o processo de criação e gravação dos Beatles nos estúdios de Abbey Road, da EMI, então a gravadora parceira no projeto. Também queria mostrar como os Beatles se sairiam sem a supervisão quase sufocante do produtor George Martin.

Não deu certo. As câmeras do diretor Michael Lindsay-Hogg, onipresentes, incomodavam, e muito, o processo de criação e ensaios. Na verdade, só agravou as tensões internas entre os integrantes. No entanto, as câmeras flagraram tudo.

A presença constante de Yoko Ono, mulher de John Lennon, não foi um motivo direto para o clima ruim e o fracasso do trabalho, mas era evidente que incomodava. Era a única esposa presente no local de trabalho. As câmeras não mostram os vários pitacos que ela tentou dar, com o apoio de Lennon, mas captam que aquele “corpo estranho” não precisava estar ali.

O ambiente desconhecido, frio e vazio de Twickenham não colaborou e, no final, a única coisa luminosa foi o concerto do telhado. George Harrison brigou no meio das gravações, foi embora abruptamente e chegou a dizer que estava saindo do grupo a alguns funcionários da Apple – gerando o comentário áspero e sarcástico de Lennon: “Vamos chamar o Eric Clapton e assim não perdemos mais tempo”.

Ao final do concerto, todos forma para casa, ficaram meses sem se falar e engavetaram filme e LP, que só foram lançados mais de um ano depois, quando a banda não existia mais. 

As músicas foram “produzidas” por Phil Spector a pedido de Lennon, que as desfigurou com excessos de arranjos no álbum que se chamou “Let It Be”, para desgosto der Paul McCartney. Somente 34 anos depois é que a versão que deveria ter saído chegou ao mercado despida dos arranjos de Spector.

Já as filmagens se transformaram em um documentário de pouco mais de uma hora e mostra o clima pesadão e difícil dos trabalhos de composição e ensaios. Lindsay-Hogg captou os momentos negativos de um processo de dissolução do maior grupo pop. Era o epitáfio dos Beatles.

O diretor Peter Jackson, de “Senhor dos Anéis”, aceitou a tarefa de mexer em 150 horas de gravações para chegar a um corte de sete horas e meia, divididos em três partes. ´

“Get Back”, o resultado de anos de trabalho, é diferente do de Lindsay-Hogg. É menos jornalístico e mais sentimental. É menos negativo e foca mais no cotidiano e no processo criativo. 

Claro que sete horas é um enorme exagero mas, por outro lado, deixa de realçar os problemas que dominaram o processo e apontavam para a ruptura. 

Nem tudo era uma chatice só e nem sempre eles discutiam ou brigavam. Chega a ser tedioso em vários momentos, como ocorre nos ensaios de todo artista de qualquer calibre. Ainda assim, consegue captar a genialidade dos músicos no processo de criação.

“Get Back: Rooftop Performance” é o legado definitivo da banda mais importante de todas, aquela que moldou a música ocidental pop da forma como nos acostumamos a ouvir.

É uma banda que recupera, por poucos momentos, a empolgação de tocar ao vivo sem ter de submeter aos desígnios de um “líder” ou um produtor. Há realmente um prazer neles em tocar juntos, com o auxílio luxuoso do tecladista Billy Preston, que Lennon cogitou em tornar membro oficial do Beatles.

É uma banda enferrujada, que tinha desacostumado a tocar para qualquer plateia, mas é visível como os quatro e Preston se esforçam muito para fazer dar certo e conseguem um bom resultado. Tocam com vontade, deixam claro que há uma química fantástica entre eles. 

O momento é mágico, dando a impressão, em alguns momentos, que eles sabem que estão fazendo história e que estão tocando “ao vivo” pela última vez.

O lançamento em áudio, finalmente, deste concerto histórico importante, era a última grande coisa que faltava na discografia dos Beatles. Tem o mesmo tamanho e importância da trilogia “Anthology”, de CDs duplos, e dos dois volumes duplos “At the BBC”. O baú finalmente está completo.