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Um encontro entre passado e futuro desconcertante e, ao mesmo tempo, bastante interessante como há muito não se via no metal nacional. Twilight Aura é uma banda de power metal que ressurge de tempos em tempos e faz bastante barulho. É inovação que se chama quando a mesma coisa é feita de forma diferente.

O guitarrista Andre Bastos, a mente por trás do Twilight Aura, perseguiu o sonho de dar vida a uma série de canções que cultivou por anos e que finalmente vai se tornar um álbum depois de quase 30 anos de trajetória.

Além de Andre Bastos, o grupo conta com Daísa Munhoz (vocal, Vandroya e SoulSpell), Rodolfo Elsas (guitarra), Filipe Guerra (baixo, ex-Skyscraper, Wizards, Preacher e Revenge), Leo Loebenberg (teclados, Das Fossem) e Claudio Reis (bateria).

Daísa é um dos grandes trunfos da banda e, certamente, o fio condutor do álbum “For a Better World”, que deve sair ainda neste ano. Voz expressiva e intérprete estupenda, deu vida a canções que costumam restringir as possibilidades de interpretação.

Nos dois singles já lançados – “Inner Prision” e “Watching the Sky”, a voz da moça e os arranjos de guitarras conseguem revitalizar um subestilo que parecia encalacrado com ideias do passado.

Sem cair de cabeça no progressivo, a banda mostra sabedoria e imaginação para fugir das armadilhas que costumam jogar bandas novas de power metal nas armadilhas sonoras que remetem invariavelmente a Stratovarius, Helloween, Hammerfall. Não que isso seja ruim, mas embute, evidentemente, uma série de limitações, além de remeter a passado distante e datado.

Em entrevista realizada por e-mail e aplicativo de mensagens imediatas, Andre Bastos contou a trajetória de sua banda e como o atual Twilight Aura tomou forma, além de revelar detalhes de sua passagem pelo Angra, do qual foi cofundador.

As duas canções já lançadas do Twilight Aura mostram um power metal que resgata um clima vintage noventista em um momento em que o subestilo não está em alta. Talvez por isso as duas músicas soem diferente do que se faz atualmente. Era essa a sua a intenção?

Na verdade, essas músicas foram compostas naquela época, nos idos de 1990, quando tínhamos a banda Twilight, em São Paulo. Recebíamos fortes influências das bandas e álbuns lançados nesse período. Quando resolvemos gravar essas músicas agora, a partir de 2020, tomamos a decisão de manter o clima de quando tocávamos elas no saudoso Black Jack {bar rock de São Paulo], resistindo a de oportunidade mudá-las para soarem mais modernas.

A escolha de Daísa Munhoz para gravar foi um grande acerto. A voz dela é versátil a ponto de cantar coisas mais melódicas e também mais pesadas. As músicas estavam compostas da banda. Como foi a adaptação dela às canções?

A adição da Daísa a banda foi a realização de um sonho. Eu gosto demais dos álbuns da Vandroya que ela gravou e as várias músicas que ela canta na SoulSpell. Nossas músicas possuem uma região vocal que é muito ampla, e é bem difícil de se cantar. Desde o começo das gravações, eu conversava com o Tito Falaschi, nosso produtor, sobre ter a Daísa para cantar nossas músicas, pois ela tem a versatilidade, timbre, técnica e pronúncia que eu tinha em mente quando ouvia essas músicas na minha cabeça. Até que chegou o momento que tínhamos a primeira música pronta, faltando somente a voz, e foi quando o Tito, que já conhecia a Daísa há muito tempo, desde o começo da SoulSpell, entrou em contato com ela e expõs o nosso projeto. Tivemos uma primeira conversa e ela aceitou gravar essa primeira música, que foi “Watching the Sky”. Depois disso, mandei para ela as demais músicas e ela gostou. Aí foi o processo de gravar uma de cada vez de acordo com a disponibilidade tanto dela quanto dos demais da banda. Ela é uma pessoa incrível, com um talento único. Além de ganharmos uma vocalista excepcional para a banda, temos agora uma grande amiga também.

Twilight Aura é uma banda com quase 30 anos de existência ou, pelo menos, de criação. Quais as mudanças de estilo que aconteceram na banda neste período, já que pouca coisa foi lançada? A ideia sempre foi manter o esquema de power metal ou havia outras ideias?

A banda começou focando primariamente no power metal alemão. É o estilo que eu respiro e vivo até hoje. Assim, as primeiras músicas têm essa influência de maneira mais clara. Porém, depois vieram outras influências trazidas tanto pelos outros membros da banda quanto por outras coisas que nos aventuramos a ouvir. Por exemplo, nosso segundo single, “Inner Prison”, embora tenha uma pegada rápida, que é típica do power metal, associado com um refrão bem melódico, possui um riff que é muito mais na praia do hard rock, ou rock ‘n’roll. Foi uma influência de quando o Rodolfo Elsas entrou para a banda, trazendo um jeito de tocar guitarra fortemente influenciado por guitarristas como Nuno Bettencourt e Paul Gilbert. Quem ouvir com atenção talvez repare que é uma música da linha do power metal, porém sem duetos de guitarra em terças, por exemplo.

 Em algumas entrevistas recentes, você listou as participações especiais no futuro álbum da Twilight Aura. Quem são esses convidados?

Ah sim, temos muitos amigos participando. Primeiramente, eu fiz o possível para que o maior número de pessoas que passaram pela banda gravassem alguma coisa. Assim sendo, temos solos de guitarra de Marcos “Naza”, Luigi Paolo e Ricardo Camillato, todos guitarristas que tiveram alguma passagem pela banda em algum momento. Nossa primeira tecladista, Sandra Reis, também gravou pianos em uma música. Também convidei amigos que, embora não tenham tocado na banda, eram muito próximos a nós. João Racy, meu substituto no Skyscraper, gravou um solo de guitarra. O mesmo fez Affonso Jr, com quem dividi as guitarras no período em que toquei na banda Revenge, junto com o nosso baixista Filipe Guerra. O baterista Geison Costa foi um dos grandes incentivadores desse projeto de gravar as músicas do Twilight. Lá atrás, ele estava sempre em nossos ensaios e shows, ajudando a carregar e montar os equipamentos e bateria. Convidamos ele a gravar uma música e ele também fez um ótimo trabalho. Tem uma das músicas do Twilight que eu cheguei a tocar aqui em Austin (Estados Unidos), onde moro hoje. Por conta disso, eu chamei o tecladista da banda que tocamos aqui para gravar os teclados nessa música, especificamente. Ficou bem legal. Praticamente todos os guitarristas acima citados, incluindo eu também, fomos alunos do Andre “Zaza” Hernandes. Convidei-o a participar de uma música e ele aceitou, e ainda trouxe o seu companheiro de Capella, o Pablo Romeu, que não só gravou guitarras como também orquestrou uma das músicas. Também convidei meu grande amigo, o mestre Hugo Mariutti (Shaman), para participar de algumas músicas que ele conhecia da nossa demo-tape de 1995. Ele aceitou e gravou violões em uma delas, e um solo de guitarra na outra. Seu irmão, o monstro do baixo e meu companheiro da primeiríssima formação do Angra, Luis Mariutti, também aceitou o convite de descer aquela furadeira de pizzicato dele em uma composição. Já que estamos falando de alguém com passagem pelo Angra, é um bom momento para mencionar o Rafael Bittencourt. Não só ele gravou vocais para um dueto com a Daísa, como também trabalhou modificando a música na qual ele participou, deixando-a bem melhor e recebendo o devido crédito como coautor. Vale lembrar que o Rafael está envolvido nesse projeto desde o primeiro momento, ajudando tanto com a parte técnica, quanto com tudo o que envolve uma gravação dessas. Participou do design do logotipo, do registro do nome da banda, da estratégia de lançamento, elaboração dos textos para os releases, entre outras coisas.

E em relação aos convidados estrangeiros?

Começamos pelo genial Alessandro Del Vecchio. Ele é o produtor principal da Frontiers Records, tendo participado de inúmeros álbuns lançados por aquele selo. Além de gravar, mixar e masterizar de uma maneira única, ele também toca todos os instrumentos de uma banda, e canta muito bem, tanto que tem sua própria banda, Edge of Forever, onde ele é o vocalista. Eu e o Alessandro compartilhamos a mesma visão sobre muitas coisas, e uma delas é sobre a causa vegana e a proteção aos animais e a natureza. Quando escrevi uma música que desenvolvia esse tema, perguntei se ele gostaria de cantar um dueto com a Daísa nela e ele aceitou imediatamente. A Daísa também é vegana, bem como o outro guitarrista Rodolfo Elsas. Assim, em uma música com essa temática, conseguimos juntar 4 veganos! E, para uma música específica, mais pesada, eu perguntei a um velho conhecido do público brasileiro se ele toparia gravar as vozes. Ele aceitou e ficou incrível. Estou falando de Jeff Scott Soto, um vocalista lendário e uma das melhores pessoas que já tive o privilégio de conhecer. E, como isso já não fosse o bastante, ele ainda trouxe o seu companheiro de Trans-Siberian Orchestra e SOTO, Tony Dickinson, para fazer os teclados dessa música. Por fim, nosso produtor e multi-instrumentista, Tito Falaschi, gravou algumas coisas específicas para melhorar as músicas onde ele achava necessário. Um solinho aqui, um telado acolá, muda o baixo em um ponto, etc… Como você pode ver, temos muitos convidados especiais nesse álbum, celebrando com a gente essa longa trajetória que finalmente traz a luz essas músicas que corriam o risco de serem esquecidas e nunca lançadas.

Você é um guitarrista com bastante referência internacional no metal europeu e, atualmente, está radicado em Austin, no Texas, que tem uma “aura” diferente de música, com blues específico e metal altamente autoral. Como essas duas vertentes dialogam em seu processo de criação e gravação?

Bem, como essas músicas foram compostas bem antes de eu me mudar aqui para Austin, nesse aspecto específico o fato de morar aqui não chegou a influenciar. As músicas são muito mais influenciadas pelas bandas europeias do que por qualquer coisa desse lado do Atlântico. Já quanto ao tocar a guitarra, eu reconheço um pouco do que acontece por aqui sim. Por exemplo, eu gravei todas as bases com uma Gibson Les Paul, o que é algo que eu nunca imaginei fazer. Já no processo de gravação, quem me ajudou mesmo foram os talentosíssimos brazucas, que sabem fazer milagres com programas de gravação de Audio. O Naza (Skyscraper), Hugo Mariutti e Eduardo Tibira foram fundamentais para que eu aprendesse o meu caminho para gravar e fazer a coisa de um jeito que o Tito conseguisse utilizar na finalização das músicas.

Como brasileiro, como você se adaptou musicalmente ao Texas?

Acho que não, viu? Eu moro aqui mas continuo ouvindo os mesmos estilos que sempre ouvi. Ouço muito metal sinfônico, power metal, principalmente bandas com vocais femininos e ouço muito as bandas brasileiras pois temos muita coisa boa aí. O Texas tem muito country e esse é um estilo que não me agrada. Sem dúvida que Stevie Ray Vaughan tem um lugar especial na minha coleção, e ele é considerado um herói local. Porém, nunca fui a um show sequer do Willie Nelson por aqui!

Com o lançamento do CD, como você imaginam o desenvolvimento da carreira da banda a partir de agora? Daísa Munhoz será a vocalista oficial da Twilight Aura?

Sim. Enquanto a Daísa quiser ela será a nossa vocalista. Na verdade, já temos mais músicas sendo trabalhadas para serem lançadas eventualmente no futuro. E sempre “ouço” a Daísa cantando essas músicas. Ela é a voz que eu mais gosto e que eu gostaria de ter em todas as músicas que eu componho. Quanto ao desenvolvimento da banda, continuaremos fazendo música no futuro, gravando e lançando. Quem sabe um dia até consigamos fazer um ou mais shows? Temos membros espalhados em quatro continentes diferentes, o que torna fazer um show um grande desafio. Mas nada é impossível.

Você começou o Angra ao lado Rafael Bittencourt no começo. Diante do que ocorreu nos últimos 30 anos, como você vê o desenvolvimento daquela banda? Começa como um power metal quase sinfônico e depois vira prog metal. Você imaginava que o Angra pudesse se tornar o que se tornou? Se você estivesse na formação inicial a banda enveredaria por esses caminhos, ao menos nos anos 90?

Quando o Rafael me convidou para se juntar a ele no novo projeto que ele estava criando, eu já tocava em uma banda de power metal bem típico, chamada Skyscraper. O Rafael veio com a ideia de não fazer a mesma coisa, mas sim de misturar outras influências como música clássica e música brasileira ao heavy metal. Na época, embora ele gostasse bastante de Helloween e Queensryche, quem era mais fanático pelo estilo power metal era eu. O Rafael era bem mais plural, explorando tudo o que fosse musical. Tanto que o nosso primeiro baterista, Marco Antunes, era um baterista que não era dessa veia power metal, com dois bumbos rápidos o tempo todo, e sim um baterista extremamente criativo e capaz de tocar ritmos e inventar levadas que engrandeciam qualquer música. Após a chegada do Andre Matos, a adição de música clássica ficou mais evidente, o que ajudou a desenvolver esse lado mais sinfônico do Angra. Conforme o empresariamento da banda conseguia abrir os caminhos internacionais direcionando a banda para a Europa e o Japão, colocando inclusive o Charlie Bauerfeind para produzir e gravar o primeiro álbum, ali estava declarado que o Angra seria primariamente power metal, mas com essas outras influencias de música clássica e brasileira, o que ficou mais evidente no segundo álbum, “Holy Land”. Se eu estivesse ainda envolvido com a banda nesse tempo, eu estaria todo feliz com essa guinada para o power metal. Talvez até atrapalhasse a banda nesse sentido dela se  enveredar por caminhos mais desafiadores. Acho que tudo aconteceu como deveria. Quanto ao desenrolar da banda: olha, para uma banda de 30 anos de estrada, seria estranho se ela não tivesse mudado durante os anos. Membros entraram e saíram e sempre quem chegou teve espaço para adicionar algo a banda. Eu acho o último álbum, “OMNI”, uma obra de arte. É um álbum muito bem composto, bem produzido e bem gravado. As entradas do Marcelo Barbosa, Fabio Lione e Bruno Valverde acrescentaram um tempero diferente a banda. Agora, veja bem: tendo um time de músicos desse gabarito, fica difícil não explorar tudo o que eles têm a oferecer, e o resultado e adicionar um componente mais complexo as composições, o que leva-as a serem classificadas como “prog”. Mas, na minha sincera opinião, o Angra continua sendo Angra e continua forte.