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Black Pantera (FOTO: DIVULGAÇÃO) 

Viver é um ato político e, para combater a opressão, não pode haver concessões. A agressividade choca, mas faz todo o sentido. Se o rap e o hip hop levaram as questões sociais e de posicionamento da negritude ao topo, coube ao rock pesado e ao punk dar a agressividade necessária para tornar o discurso mais contundente.

É a periferia dando o recado: ” Acordaram a besta/Éhhhhh, se não aguenta, respeita!!!”, como brada a banda mineira Black Pantera em “A Besta”, uma das faixas do recém-lançado álbum “Ascensão”, terceiro disco do trio.

Destaque entre as bandas de rock pesado brasileiras dos últimos, o trio formado por músicos negros transita entre o thrash metal, o hardcore e o punk com uma desenvoltura elogiável. 

“A coisa tá linda/A coisa tá preta” é um dos mantras da banda, verso da imponente “Padrão É o Caralho”, e que dá o tom político e de protesto do novo trabalho. Mais do que afirmação, a Black Pantera quer ocupar e manter os espaços, como a letra explicita em “Fogo no Racistas”: “Nossa simples existência já é uma afronta/Os demônios em você não aguentam ver/Outro preto que desponta”.

Como se vê, o trio não economiza na “provocação” e na “afronta”. O resultado é que a banda caiu nas graças dos movimentos engajado, antifascistas, antirracistas e de direitos humanos, o passo que é odiado pelos conservadores e pelos “isentões” que enxergam na contundência de seus posicionamentos um incentivo à violência racial e de classes.

“Quem diz isso, obviamente, um preto pobre que viveu a vida inteira na periferia e sendo discriminado”, diz o baixista Chaene. “Falam muito em incitamento à violência. Fome e pobreza extrema para essas pessoas não configuram violência? Racismo não é violência? Por que combater o racismo e pregar a redução da desigualdade são considerados violência?”

De longe o disco “Ascensão” é o mais contundente libelo político do rock nacional em muito tempo, equilibrando música agressiva com mensagem direta e explicita. 

Enquanto bandas como Racionais MC’s e Detonautas Roque Clube apelam para a poesia, sarcasmo, ironia e, de certa forma, o humor, os Panteras preferem as guitarras sujas, pesadas e berros. 

É como se o Rage Against the Machine tivesse incorporado os Ratos de Porão em espírito e insanidade, que é o que podemos observar na porrada “Delírio Coletivo” e na pancadaria “Dias de Fogo”, com sua mensagem de protesto ambientalista movida a guitarras pesadíssimas que passam por cima como um rolo compressor.

Para exaltar a negritude e combater o racismo, a mensagem é progressista, mas é também é ofensiva para quem se habituou a ignorar a sociedade oprimida. 

E assim o mundo continua caindo na cabeça em pauladas como “Eles Que Lutem”, uma peça importante de metal à la Dorsal Atlântica misturada com Korzus. 

A letra é corajosa e vai direto na ferida: “Vão querer te dizer qual é o seu lugar/Vão querer te convencer a não acreditar/É preciso entender/Não vão te aceitar/Nada pode nos deter/Eles que lutem.” é de longe o melhor lançamento brasileiro de 2022. O Black Pantera é Charles Gama (guitarra, vocal), Chaene da Gama (baixo) e Rodrigo “Pancho” Augusto (bateria).

Punho de Mahin (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Em outro ambiente no punk rock, eis que surge uma novidade interessante: Punho de Mahin é um quarteto que pode ser considerado como legítimo “punk da periferia”, formado por músicos negros da Grande São Paulo.

 São duas mulheres e dois homens que são de lugares distintos como Mauá, no ABC Paulista, e extremo da zona norte de São Paulo. Gostam de se autointitular a “ponta de lança do afropunk”. 

O grupo e formado por Natalia Matos no vocal, Camila Araújo na guitarra, o baixista Dú Costa e Paulo Tertuliano na bateria, e tem uma atuação muito forte na luta contra o racismo no cenário musical, exatamente como o Black Pantera.  Como expuseram em suas redes sociais, o foco é “resgatar a ancestralidade para mostrar a existência da resistência”.

O nome da banda tem a ver com Luísa Mahin, princesa africana que foi capturada e enviada ao Brasil como escrava, mas que se tornou referência na defesa do povo negro do século XIX no Brasil. Além disso, foi mãe de Luís Gama, um dos maiores intelectuais brasileiros e um nome de ponta do abolicionismo.

“Navio Negreiro” é a canção que simboliza o grupo, um punk rock sujo e reto, bem, ao estilo “1977” exaltando a liberdade dos negros e fazendo uma analogia com a escravidão e a condição dos negros na atualidade, 133 depois da abolição da escravatura.

“Dandara” tem a mesma pegada, mas com um pouquinho mais de melodia, mas com uma intensidade que assusta e, ao mesmo tempo, empolga. 

Em recentes entrevistas, a banda não cansa de exaltar os coletivos antirracistas de São Paulo e outros de promoção dos direitos humanos e costumam propagar uma fala importante de um artista negra que está inserida no contexto do rock para elevar o ativismo da causa negra. 

Estramos falando de Thaís Catão (guitarrista das bandas Tuíra e Kinderwhores), que falou o seguinte ao site Nadapop: “rock e punk são estilos estilos criados por negros, o Rock é Negro. E foi mais um estilo roubado, apropriado por brancos. Esse rock embranquecido, misógino, elitista pra cacete, não nos interessa. A gente quer o Rock que a gente criou e que temos o direito de fazer”.