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Carlos Lopes deu aula de carisma, de posicionamento político e de história no ABC (FOTO: MAURICIO GAIA)

Resistência e luta, oposição e construção. Uma torrente de mensagens políticas e ativismo jorrou na comemoração do mês do rock no Parque da Juventude Città di Maróstica, em São Bernardo do Campo (SP). O tom antifascista deu o tom principalmente com as bandas Ação Direta e Dorsal Atlântica, e recado foi contundente.

O minifestival de heavy metal promovido pela Secretaria municipal de Cultura e Coletivo Rock ABC contou com sete bandas e um público grande participativo.

Foi o segundo evento na cidade em dois meses, resgatando de vez o rock ao vivo depois de quase dois anos de isolamento social por conta da pandemia de covid-19. O evento anterior, em maio, teve os Ratos de Porão como grande atração, com predomínio de bandas punks.

Foram quase dez horas de muita música pesada e extrema, em que as bandas Rhegency e Blackning foram os destaques entre os artistas locais. A primeira surpreendeu com um heavy metal mais puxado para o tradicional, com bons riffs e músicas consistentes. A segunda, um pouco mis conhecida na cena, trouxe um thrash metal violento e bastante técnico.

A Ação Direta subiu ao palco com a pista de lazer totalmente tomada e um público predominante jovem, ansioso por presenciar a lenda do hardcore nacional desfilar 35 anos de bagagem em pancadas certeiras de ativismo político e social. Foi o começo da aula de cidadania promovida pelas bandas no ABC.

Paulo Gepeto, com sua voz poderosa, rugiu contra a desigualdade social e o governo federal de inspiração fascista que aprofundou o caso econômico e o aumento da pobreza e da fome. “Nunca Mais” e “Pesadelo” são duas das canções fortes que marcaram o repertório. O ponto alto foi a participação de Carlos Lopes, da Dorsal Atlântica, em dueto espetacular com a Ação Direta.

Fechando o grande evento, a Dorsal Atlântica voltava a tocar no Estado de São Paulo depois de 24 anos. Uma escolha acertadíssima para a atração principal do minifestival: banda importantíssima e histórica, nome fundamental do metal e do rock underground, comemora 40 anos de fundação m,ais ativista do que nunca.

A apresentação trio carioca foi violenta, poderosa e devastadora. Adotando definitivamente a “guitarra baiana” como instrumento principal, Carlos Lopes deu outra cara a velhos clássicos da banda e inseriu mais peso e mais estridência aos arranjos de músicas novas.

A ideia era fazer um apanhados 40 anos de carreira, em que músicas como “Guerrilha”, “Imperium” e “Stalingrado”, rejuvenescidas e restruturadas, mostraram poder e a atualidade como canções de protesto e denúncia.

No entanto, o repertório foi dominado mesmo pelo material mais recente, os discos “Canudos” e “Pandemia”, repletos de forte crítica social e política. A sequência de “Canudos” foi matadora, começando com “Belo Monte” e arrebentando com “Temer”, “Cocorobó” e “Gravata Vermelha”, evidenciando o caráter genocida e criminoso do Exército brasileiro na atuação durante a Guerra de Canudos, entre 1896 e 1897, no sertão da Bahia.

Cult e muito bem informado, Lopes contextualizava as músicas em rápidos discursos entre as músicas, arrancando exclamações de admiração de um público jovem majoritariamente antifascista.

Quando as canções de “Pandemia” entraram em cena, o ativismo explodiu, assim como as bem-vindas manifestações contra o nefasto presidente Jair Bolsonaro. Tomando o cuidado para evitar fazer “campanha eleitoral antecipada” para o candidato a presidente do PT, Lopes saudou a cidade de São Bernardo como um lugar “muito importante que lançou na política aquele que é, possivelmente, o maior brasileiro de todos os tempos”, cotando Luiz Inácio Lula da Silva pela primeira e única vez.

E tome mais pancadaria extrema com “Pandemia”, “Burro”, “Infectados” e “Tortura”, canções berradas, pesadas e velozes, como se o cantor quisesse expelir toda a raiva do mundo- e fazendo as devidas e necessárias analogias/comparações entre a sua obra de “ficção” e a lamentável realidade infectada/empesteada com a podridão bolsonarista.

Em tempos tenebrosos e decisivos para a sociedade brasileira, shows como o da Dorsal Atlântica, Ação direta e o do Ratos de Porão, na mesma cidade, redimem de todas as formas e dão mais gás para a resistência e, melhor do que nunca, conseguiram transmitir mensagens importantes para jovens que se mostraram engajados e interessados em informação.

“Essa terra está impregnada de engajamento, ativismo político e social está no DNA do ABC”, disse Carlos Lopes empolgado e totalmente realizado após o show, em conversa exclusiva com Combate Rock. “Esta apresentação ficará na história da banda por conta dos tempos em que vivemos e pela receptividade que tivemos. Nunca um show da Dorsal deu errado no ABC. Percebi que havia fome de rock, de metal e de informação e acho que saciamos todas as vontades.”

Enquanto atendia por mais de uma hora fãs que fizeram longa fila para autógrafos e fotos, o vocalista e guitarrista demonstrava gratidão ao reconhecimento que a Dorsal Atlântica recebia 40 anos depois de uma rica r tumultuada história. “É gratificante observar que as pessoas me consideram um artista que ainda tem coisas relevantes para dizer e o que eu disse lá atrás continua relevante e fazendo sentido, para o bem e para o mal. a galera cantou ‘Guerrilha’ e ‘Vitória’, muita gente jovem. É revigorante!”