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Renato Russo (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Renato Russo nunca foi gênio. Cantor sofrível e instrumentista ainda claudicante, ganhou notoriedade no rock nacional ao fazer algo diferente com sua banda de segunda divisão, em uma analogia futebolística tosca. E não é que deu certo?

O grande mérito de Renato e sua Legião Urbana foi tentar algo bem diferente do pop grudento e superficial do RPM e do rock festivo do Paralamas do Sucesso; totalmente oposto da new wave dos Titãs, que ficaram pesadões depois de “Cabeça Dinossauro”; nada a ver com as paródias bem-humoradas e simplórias do Ultraje a Rigor; e muito longe do punk engajado da Plebe Rude e do mod sentimental do Ira!; do sarcasmo hard do Camisa de Vênus e do pós-punk venenoso do Capital Inicial.

De forma consciente e inteligente, a Legião fugiu do besteirol da Blitz, da poesia intrincada e desesperada de Lobão, do rock and roll cru e básico do Barão Vermelho e da verborragia intelectual de Cazuza. O que sobrou então?

No dia que marca os 25 anos da morte de Russo, fica evidente que ele teve a audácia e a coragem de investir para atingir o coração de uma juventude carente de altruísmo, de boas intenções e de um norte na vida.

Essa galera até entendia o rock sacana e descolado do Barão, das piadas e do alto astral da Blitz, das bobagens ginasianas do Ultraje, do protesto da Plebe, das angústias existenciais do cotidiano retratado pelo Ira!, da esquisitice punk classe média do Titãs e da world music meio cabela dos Paralamas.

Só que foi a psicologia de boteco e de centro acadêmico de faculdade ruim que capturaram as mentes e os corações dos adolescentes que queriam uma terapia barata – e que queriam também algum estímulo para a baixa autoestima de parte expressiva de uma adolescência em crise, sem rumo após 20 anos de ditadura militar.

Nunca fui fã da banda e do cantor, mas sou forçado a reconhecer que e Legião Urbana foi o principal e mais longevo fenômeno do rock nacional enquanto existiu e que resiste até hoje.

As letras superficiais e, muitas vezes, infantiloides capturaram de tal forma o imaginário adolescente dos anos 80 que Renato Russo se tornou um guru, um messias atormentado que rivalizava com a figura sarcástica e rebelde de Raul Seixas, outro músico superestimado, mas que teve uma importância gigantesca para a música nacional nos anos 70 justamente por suas letras irônicas e sua inteligência ao confrontar os militares e a ditadura.

Mais sofisticado e elegante, Cazuza tinha verdadeiras pretensões literárias e construiu uma curta carreira robusta em que o talento de letrista e músico se sobressaiu não apenas no rock, mas também no samba e na MPB. Renato Russo também tinha alguma pretensão artística além da Legião Urbana, mas tinha outros interesses.

Mirava Lou Reed e David Bowie, considerava-se um bardo e exaltava a personalidade atormentada buscando inspiração em poetas como Arthur Rimbaud, Oscar Wilde e no dramaturgo Bertolt Brecht, por exemplo. Tinha referências e sabia usá-las com habilidade.

E assim conseguiu atrair a atenção de um público que buscava um espelho para despejar frustrações e que não se identificava com o som punk, de piadas e de praia que dominava o rock nacional em seus primórdios.

Naquela new wave da primeira metade dos anos 80, Legião Urbana e Renato estavam muito mais interessados em Bauhaus, Siouxie and Banshees, The Cure e sons mais introspectivos e melancólicos.

Não surpreende que ele tenha passado para sons mais cavernosos e emblemáticos como Bob Dylan (em suas fases mais dark), Nick Cave, Tim Buckley e algumas coisas mais folk, para beber alguma coisa em Johnny Cash.

A influência country, que remete, na cabeça fervilhante de Renato, até mesmo a “Rocky Rackoon”, do “Álbum Branco”, dos Beatles, acabou por direcioná-lo às duas músicas que mais representam o compositor e sua banda, as baladas quilométricas e “conceituais” “Eduardo e Mônica” e “Faroeste Caboclo” – tão emblemáticas e impactantes (por mais que musicalmente sejam fracas) que se deram origem a clipes conceituais, longa-metragens e musicais.

Morto em 1996, aos 36 anos em consequência de complicações devido à Aids, Renato Russo é o nome mais importante do rock nacional e dificilmente será destronado. A devoção ao seu legado, por mais que isso seja questionável, só tem paralelo no no caso de Raul Seixas e Roberto Carlos (que ainda está vivo).

Inteligente, esperto, audacioso e visionário, Renato Russo foi um personagem necessário para evitar que o rock nacional empacasse ainda mais cedo nos dilemas estético-artísticos muito bem apontados, em algumas ocasiões, por por Lobão em seus livros. Ele e Cazuza fazem muita falta neste momento de baixa do rock brasileiro.