Escolha uma Página

Saído direto de um pub esfumaçado de Birmingham, a cidade cinzenta da Inglaterra, em uma tarde chuvosa qualquer do inverno de 1970. As referências são as melhores possíveis e o clima está propício, com guitarras lancinantes e angustiantes.

Assim começa “ZebathY”, o novo disco do cantor e multi-instrumentista Fabiano Negri, de Campinas (SP), naquele que certamente é o seu melhor trabalho em uma carreira que se aproxima dos 30 anos. 

Para quem aventou a possibilidade de se aposentar em 2020, Negri parece ter recuperado a veia de inspiração à base de peso e guitarras muito distorcida. 

É o seu disco mais pesado, um  mergulho no rock pesado com base no som extraordinário dos anos 70, com uma mistura calibrada de Black Sabbath, Deep Purple, Uriah Heep, Nazareth, um pouquinho de Led Zeppelin e Grand Funk Railroad.

Com tantas referências e passagens diversas, “ZebathY” é um tributo ao rock, certamente, mas ainda mais ao próprio artista. É uma celebração á persistência, á resistência e á certeza de que a música autoral, mesmo autoral, faz todo o sentido em uma época de trevas, quando a defesa do conhecimento e das artes se faz cada vez mais necessária. 

Negri aposta quase em uma agressividade controlada, mas eficiente, com uma timbragem de guitarra inspirada, em parte, no que Tony Iommi ousou fazer em “Sabbath Bloody Sabbath”, disco de 1973 que é o quinto da banda. Ouça a ótima “Seven Reasons to Die” para entender as referências e todo climão soturno e a densidade da mensagem e dos arranjos.

Fabiano Negri mostra talento e versatilidade ao enveredar agora pelo heavy metal (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O mesmo pode ser dito da pancadas que é “The Pure and the Damned”, que se tornou um single perfeito para introduzir o ouvinte no espírito da obra. É um tema mais rápido, que fisga o ouvinte pelo clima angustiante. Serve como apresentação dos personagens da história e mostra uma visão um pouco diferente do bem e do mal – terreno pantanoso e perigoso, no qual Negri se sai bem.

“Seven Reasons to Die” é marcante porque nos transporta a um ambiente onde um Ozzy Osbourne é capaz de pular de repente na sua frente embalado em clima tétrico e soturno, parecendo que as guitarras vão cair em sua cabeça.

O curioso é que “Reborn”, o álbum lançado em duas partes a partir de 2020, já indicava essa tendência no trabalho de Negri: guitarras mais insinuantes e pesadas, abraçando um hard rock que lhe era bastante caro. 

Havia, é claro, alguns fantasmas a serem encarados, mas “Reborn”, que é muito bom, parecia ser uma prova de que era possível manter a inspiração e a revolta para irrigar um rock visceral e mais agressivo.

Era necessário “renascer”, sentir novos ambientes e partir para uma iniciativa mais ousada, como é possível notar em “The Night Stairway”, talvez a canção mais acessível, por isso mesmo primeiro single divulgado.

Se toda a embalagem parece ser de heavy metal, Fabiano Negri nos surpreende com o hard pesado de “The Night Stairway” e o rock progressivo misturado a pitadas de jazz em “The Universal Builder”, com sua base cheia de progressões musicais e mudanças de ritmo.

“Envy’s Lust” evoca o Black Sabbath com Ronnie James Dio, embora falte a profundidade soturna da produção que Martin Birch imprimiu em “Heaven and Hell”, clássico de 1980. Claro que não invalida a audição, já que é uma boa música, mas ficou faltando aquele som “grandioso” que a situação pedia.

Como em todo o disco autoproduzido, a produção e seca e mais crua, que valoriza os timbres sem rebuscamento. 

Em tais circunstâncias, está longe de ser um defeito, como é possível desfrutar na excelente “Bloody Dawn”, que mantém a pegada da música anterior, mas com soluções em arranjos que não necessitam da tal profundidade. É quase um power metal, com cavalgadas à la Iron Maiden ecos de Diamond Head, a maravilhosa banda britânica do início dos anos 90.

O encerramento do trabalho, que é conceitual, duas boas canções que mantém o peso, mas dão uma desacelerada, embora não se tratem de power ballads. “Princess’ Stoned Sleep” é cadenciada e lembra um Deep Purple mais anabolizado, com uma pegada forte de guitarra hard e um baixo preciso e pulsante.

“ZebathY (The Mistress of Darkness)” já envereda pelo lado mais lento e quase baladeiro, ao melhor estilo de Michal Schenker Group e Whitesnake, esbanjando personalidade e acordes pesados e fortes, em uma clima de conclusão forte, mas melancólica. Termina o disco da mesma forma angustiada e claustrofóbica, demolindo certezas, mas tentando apontar caminhos. É bem instigante.

“‘ZebathY’ narra a história de uma mulher que, desprezada profissionalmente e intelectualmente, perde a vontade de viver”, diz Negri. “Humilhada e ridicularizada por uma sociedade patriarcal, ela encontra ajuda para a sua vingança, mas o preço a ser pago pode ser alto demais.” 

O artista ainda explica que “o conto de horror serve de disfarce para algumas questões sociais e filosóficas bastante presentes no nosso dia a dia”. Essa é uma constante na obra de Fabiano Negri, que é um músico emotivo e que tem boa habilidade em captar as vibrações do momento e fazer boas analogias

O álbum foi gravado no estúdio Sonic Paw e contou com produção de Fabiano Negrie de Ric Parma, que cuidou da mixagem e da masterização. A gravação ficou a cargo de Fabiano, que registrou vocal, guitarra e bateria, e de Ric Parma no baixo. A arte da capa é de Wagner Galesco.