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Dave Grohl durante show dos Foo Fighters em The Town (FOTO: DIVULGACÃO)

Em um festival que deliberadamente escalou poucas bandas de rock, o gênero deu as caras no quarto dia de The Town e explodiu o autódromo de Interlagos com muita energia e distorção, com temperatura máxima e gerando algum desconforto para a segunda apresentação de Bruno Mars, que fecha o festival no domingo no palco Skyline.

Escolhido a dedo para atrair público e colocar a adrenalina lá em cima, os americanos do Foo Fighters eram os músicos certos para tornar a primeira edição do “Rock in Sampa” memorável. É considerada a última das grandes bandas, daquelas que levam multidões e locais gigantes.

É rock clássico? sim rock que os papais da atualidade gostam, mas e daí? Diante dos sempre onipresentes Iron Maiden e Guns N’ Roses, so queridinhos da organização do Rock in Rio/The Town, a banda de Dave Grohl, que beira os 30 anos de existência já não é mais capaz de surpreender, mas nem precisa. É rock de arena pronto para incendiar qualquer ambiente.

Dias antes, em Curitiba (PR), o show durou três horas. Todos os clássicos foram tocados e muito mais. Houve surpresas e uma constatação: a banda não queria ir embora. Era uma espécie de compensação pelo cancelamentos do anos passado.

Prestes a tocar no Lollapalooza 2022, a banda quase implodiu com a morte do baterista Taylor Hawkins, de 50 anos, antes de tocar em Bogotá (Colômbia) e a três dias do desembarque em São Paulo. Grohl e a banda precisaram de mais de um ano para curar o trauma e retomar a carreira com Josh Freese (ex-Offspring) na bateria.

Em The Town, ninguém esperava menos do que ocorreu em Curitiba. Mais do que um tributo ao amigo baterista morto, Grohl queria mostrar que Foo Fighters cumpre o que promete e que nada menos do que o máximo é aceitável.

E então a última das grandes bandas de rock, daquelas gigantes, entrou no palco e ganhou um jogo que ja estava ganho. Mas não se contentou com o conforto da situação. Parecia que o guitarrista tinha a missão de fazer com que a penúltima noite do festival fosse memorável.

Ele sentia que devia isso aos fãs paulistanos – claro que não era o caso, mas, para a sorte de todos os espetadores, Grohl achou que era. Todo mundo ganhou e Foo Fighters tornou tido memorável – talvez a única apresentação verdadeiramente digna do termo do primeiro The Town.

A banda deixou claro que faria rock e que deixaria o lado mais pop diluído em uma apresentação com hits e pancadarias de sobra. E nem a castigada voz do guitarrista e vocalista atrapalhou a celebração. Com o Foo Fighters nunca dá errado.

Pitty fez um ótimo show com a Nova Orquestra (FOTO: THE TOWN/DIVULGAÇÃO)

Como quase sempre, Grohl se divertiu tanto ou mais que o público estava ensandecido. Gritou bastante e interagiu com o público mais do que o normal. E os hits se encarregaram de tornar a celebração do reverendo Dave e um transe coletivo.

Com fome de palco, a banda explodiu o festival abrindo com a ótima “All My Life”, e despejou “Learn Fly”, “My Hero” (com uma longa e lenta introdução), “Walk”, “Times Like These”, a nova e angustiada “Rescued”, do mais recente álbum, “This Is a Call”…

O momento tributo a Hawkins veio com a bela “Autora” (“Iremos tocar essa música pelo resto de nossas vidas, era a preferida de Taylor”, disse o vocalista), sucedida pela excelente “The Teacher”, longa, densa e melancólica, que serviu e clímax para o encerramento com “Best of You”. Se era rock o que o festival queria e precisava, então teve o melhor que poderia receber.

A cantora baiana Pitty abriu o dia com peso e muita vontade. Solta e bastante comunicativa, levou um público enorme que se deliciou com um repertório cheio de hits, mas sem nostalgia, por mais que o show fosse baseado no álbum “Admirável Chip Novo”, que completa 20 anos.

O auxílio luxuoso da Nova Orquestra deu um peso extra a músicas naturalmente pesadas e aceleradas. O volume ficou mais alto e a cantora mostrou habilidade e segurança para conduzir um ótimo show. Merecia um tempo maior para desfilar seu trabalho elogiável, que terminou com a empoderada “Me Adora”, para delírio da plateia.

Os Detonautas perceberam que a baiana fez um show ótimo no palco Skyline e trataram de tentar equiparar as coisas no palco One. Comemorando 20 anos de uma sólida carreira, escolheram um repertório certeiro e apostaram mais no rock do que em outras vertentes sempre presentes em suas canções.

Com as guitarras bastante presentes, passearam por suas duas décadas e deram uma atenção a algumas canções mais novas, Para uma banda que já pode ser considerada clássica dentro do rock nacional, contou com um público bem ativo e cantando quase todas as músicas.

Com um tempo contado, o vocalista tico Santa Cruz deixou os discursos em segundo plano e regeu a banda como o ótimo mestre de cerimônias que é.

Com o convidado Vitor Kley, fã declarado dos Detonautas, Santa Cruz deu um toque mis alternativo ao show, ainda embalada com guitarras proeminentes. Assim como Pitty, a banda parecia querer deixar claro que era dia de rock. Agradaram em cheio.

O Barão Vermelho também foi bem, embora menos esfuziante. Não faltou competência ou vontade, mas a banda soou previsível e sem a sua pegada característica. Esteve mais pop do que rock, o que foi um pecado para um dia dedicado às guitarras. E Samuel Rosa, ex-guitarrista e vocalista do Skank, aprofundou esse clima como convidado especial.

Por sorte, o repertório conserta qualquer vacilo e o experiente vocalista e guitarrista Rodrigo Suricato
tem recursos suficientes para manter o legado da banda em altos patamares. Foi um bom show, mas poderia ter um pouco mais de peso nas guitarras, por mais que o Barão se esforçasse.

Shirley Manson comandou o show do Garbage (FOTO: THE TOWN/DIVULGAÇÃO)

A banda americana Garbage também decidiu fazer uma espécie de melhores momentos da carreira mesmo tendo trabalho novo recente e apostou logo em versões mais dançantes de hits atemporais, como “Stupid Girl” e a pesada “I’m Only Happy When It’s Rain”, o maior de todos os hits.

Para uma banda que não costuma fazer turnês muito longas, Garbage estava afiada e pronta para colocar todo mundo para dançar.

Apenas parte da plateia parecia conhecer bem as canções, mas o começo meio morno por parte do público logo deu lugar a uma vibração esfuziante, como na contagiante “Push It”. A cantora escocesa Shirley Manson, com seus trajes diferentes, é uma das candidatas a diva do festival após um show bem interessante.

Outra banda americana, Yeah Yeah Yeahs, tinha uma missão ingrata ao substituir o experiente Garbage. Como substituta da mais do que esperada Queens of the Stone Age, que cancelou quase em cima da hora, precisou suar para ao menos equilibrar o jogo.

O bom de público desse tipo de festival é que não existe animosidade ou qualquer rivalidade. Sem hostilidade do público, chamou a atenção ao fazer um pop experimental e, em muitos momentos, dançante.

Não é um som fácil , ainda mais para quem queria mais guitarras e esperava o explosivo show dos Foo Fighters, mas o desafio foi encarado com austeridade e coragem, e a banda não decepcionou.

A vocalista Karen O e seu visual retrô chique deram o tom de uma apresentação convincente e que teve o ponto alto a forte canção “Maps”, mas também mostrou qualidades em “Zero” e na ótima “Heads Will Roll”, Entre as esquisitices experimentais, destaque para “Burning”. “Soft Shock”, a mais pesada do set, foi uma das que mais agradou.

Quem decepcionou foi a banda inglesa Wet Leg, uma atração indie demais, folk demais, para um festival tão grande e imponente. Tinha de ter tocado antes de Garbage, uma banda mais cascuda e experiente.

Depois de muitos shows bons, a galera queria mesmo era Foo Fighters. O repertório da banda não ajudou muito e a apatia imperou. Missão ingrata para Wet Leg, que não era páreo para uma noite reservada para a redenção de um gigante. Na verdade, ninguém seria páreo: a noite era de Foo Fighters, que se redimiu com honras.