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Golpe de Estado lavou a alma dos órfãos do rock em São Bernardo (FOTO: MARELO MOREIRA)

Devia ser uma celebração, e de fato foi, mas sob uma saraivada de dúvidas e certa preocupação. Afinal, é seguro ou não ir a shows em locais fechados e, sobretudo, pequenos?

O último show antes do fim do mundo no ABC, na Grande São Paulo, foi o do Golpe de Estado, em 15 de abril de 2020, no Parque Salvador Arena, em São Bernardo do Campo. E quis o destino que a retomada dos shows na cidade, e na região, fosse o do mesmo Golpe, desta vez na simpática casa 52’s, um local novo para o rock na região metropolitana.

A banda tinha feito apresentações esparsas durante a pandemia, mas considerou a apresentação deste 9 de outubro como o marco zero da retomada após a flexibilização das regras de isolamento social, 600 mim mortes depois da chegada da covid-19.

Cerca de 400 pessoas saíram na noite chuvosa e fria para resgatar o espírito roqueiro há muito perdido com o distanciamento social. Era visível a ansiedade do público para lembrar, ainda que por alguns momentos, como era o mundo antes do desastre sanitário.

Protocolos sanitários? Uma grande ilusão diante da necessidade de extravasar e de curtir. A casa bem que tentou, mas a plateia queria rock alto e dançar. Queria gritar. Queria explodir. E aglomerou na frente do palco e perto dos balcões de cerveja. Máscaras? Contei cinco pessoas usando, além de mim.

Ainda morrem 500 pessoas por dia no Brasil e os infectologistas são unânimes em considerar prematuras as reaberturas de casas de shows, estádios de futebol e restaurantes, ainda que de forma parcial – mas que será total a partir de novembro. A pandemia está longe do fim, mas a sensação é a de que há segurança para curtir um bom show e tomar uma cerveja sossegado.

Por mais que o Golpe de Estado tenha tirado a “zica” de finalmente reestrear, e sempre com o vocalista João Luiz exaltando a vacina e a vacinação, era nítido que o relaxamento parecia ser uma das condições para que o clima ficasse perfeito para o rock.

E a banda, como sempre, não decepcionou. Com um repertório mais curto do que o habitual, esbanjou carisma e qualidade desfilando clássicos atrás de clássicos. A pesada guitarra de Marcello Schevano acrescentou bastante ao som do Golpe, realçando a veia hard que sempre caracterizou o som bluesy da época do guitarrista Hélcio Aguirra.

“Terra de Ninguém”, “Caso Sério”, “Feira do Rato”, “Noite de Balada”, “Nem Polícia, Nem Bandido” e muitas outras transportaram a plateia para os mágicos anos 80, que transpirava energia atômica e movimentava montanhas a bordo de tonelada de riffs de guitarra.

São 35 anos de rock da melhor estirpe e isso foi demonstrado de forma cabal e inequívoca neste show que parecia ser intimista, por conta do local, mas que explodiu na forma de som pesado e enérgico.

É difícil dizer se as necessidades de se retomar a vida normal compensam a falta de cautela em relação ás medidas sanitárias. É uma avaliação que cabe a cada um fazer.

Sempre dissemos que o rock cura e salva, principalmente em tempos de crise extrema, como atualmente vivemos. Por outro lado, não pode servir de pretexto para a perda do bom senso. E que tenhamos muito bom senso para encarar a jornada de recuperação. Precisamos do rock, mas também necessitamos de cautela. Que bandas como Golpe de Estado nos ajudem a encontrar os verdadeiros limites e a respeitá-los.