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Em tempos de fragilidades e certa obscuridade, qualquer migalha deve ser comemorada. Sendo assim, louvemos o ressurgimento das bandas emo que tanto fizeram sucesso há 20 anos, naquele que pode ser descrito como o último movimento roqueiro de expressão no Brasil.

Restart, NX Zero e Forfun estão ressuscitando com uma força que nem mesmo seus integrantes imaginavam. Não se trata apenas de um “revival” nostálgico: as três bandas estão emendando turnês nacionais com várias datas e o CPM 22 é a próxima banda a engatar o seu giro.

A ideia era comemorar 20 anos de seus surgimentos, mas a situação tomou proporções muito grandes e indica que há um espaço interessante para o rock transitar ainda que a toque de nostalgia – e não esta,os falando de artistas gigantes como os Tirãs, que reuniram a formação quase clássica para celebrar 40 anos de sucesso.

Depois de Los Hermanos e as bandas emo, somente Jota Quest, Charlie Vrown Jr e Skank conseguiram se manter em alta por algum tempo nas emissoras de rádio. Detonautas Roque Clube quase beliscou e fez parte desse seleto grupo, mas não teve como competir com a avassaladora performance so sertanejo, do funk e de algumas vertentes do rap.

Dos nomes citados, Skank e Charlie Brown Jr não existem mais (o segundo não como era antes, já que o vocalista Chorão e o baixista Champignon morreram) e os Detonautas se tornaram uma força do underground, o que foi ótimo para eles. 

Apenas o Jota Quest resiste lotando estádios e com uma carreira com números consistentes depois de 25 anos. Diante dessa terra devastada, que bom que os revigorados emos estão chamando a  atenção e colocando o rock na berlinda novamente.

Se devemos valorizar essa situação, também devemos  observar com certa melancolia e apreensão esse movimento nostálgico: será que é só isso o que sobrou para o que estou de rock no chamado mercado principal de música?

Se o rock precisa ser movido a nostalgia, então as perspectivas não são boas. Depender dos 40 anos dos Titãs ou de turnês de despedida de Skank ou ressurreição de bandas que duraram pouco não inspira grandes expectativas.

Black Pantera, a força maior do underground atualmente (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Os otimistas, com boa dose de razão, dizem sempre e cada vez mais sempre que o rock vive e está bem forte, que tem muita coisa acontecendo e que surgem nomes interessantes a cada semana. Não estão errados, mas é um movimento cada vez mais subterrâneo e, por enquanto, undergroud em seu mais estito sentido.

E, como estamos falando em nostalgia, então é forçoso relembrar do tempo em que o rock e o pop rock tinha bom espaço nas emissoras de rádio, em páginas de jornais e revistas, além de alguns poucos programas de TV. 

Éramos felizes mesmo quando criticávamos, com muita propriedade, a autoindulgência e caretice dos Los Hermanos, os últimos artistas do pop rock que foram onipresentes e que incomodaram por conta da massiva execução de “Anna Julia” em todos os lugares.

Com a depredação da indústria fonográfica e as mudanças de hábitos de consumo de música neste século, e a presença avassaladora da internet, os artistas de rock não souberam manter o espaço e continuar nos corações e mentes dos ouvintes. Como jazz e blues são underground há muito tempo, o rock foi o que mais sofreu diante do contesto do século XXI.

O rock mantém certo vigor, mas não dá conta de vencer toda a pulverização da atenção à torrente de informação que cai na cabeça de todos diariamente. 

A impressão é que os novos artistas de rock aqui e em outros lugares do mundo batem muito rápido em um teto de popularidade e acessibilidade nas plataformas de streaming e sucumbem diante da mais nova sensação da última hora. 

Além disso, ainda continuamos a falar de Sepultura, Angra, Pitty, Ratos de Porão, que nunca foram campeões de vendas e que conseguem manter um pouco da atenção do público mais veterano;

Autoramas (FOTO?:DIVULGAÇÃO)

 Autoramas e Dead Fish se orgulham de sua independência (ou quase), Black Pantera, Far From Alaska, Boogarins, The Baggios, Ego Kill Talent, Malvada são nomes em evidência, mas estão há anos batalhando e estão bem longe, ainda, de furar muitas barreiras mercadológicas. Krisium Nervosa e Crypta seguem com bom cartaz internacional, mas são extremas demais para escapar do nicho do metal.

É claro que devemos nos conformar: nunca mais o rock terá a evidência que teve no Brasil nos anos 80 e 90, mas é de se lamentar que a queda tenha sido tão vertiginosa, por mais que entendamos que, naquelas décadas, o que aconteceu foi excepcional por se tratar de um país com uma cultura muito rica e uma música própria muito forte. 

O rock foi abraçado pela juventude como uma forma de protesto e por anseio de coisas de mudanças e de coisas diferentes, dentro de um contexto sociocultural e político bem característico. 

No século XXI, o rock deixou de ser novidade e de produzir novidade e inovação, perdendo espaço para a modernidade do rap/hip hop, o conservadorismo do sertanejo e a urgência do funk tipo carioca. 

De alguma forma, todos estes representaram algum tempo de mudança ou, ao menos, de coisa diferente, no sentido de oferecer algo diferente ao seu dia a dia. 

O rock perdeu o encanto porque os jovens não se enxergaram mais no gênero musical, que se repetiu e não soube nem mesmo se reciclar. Afinal de contas, o que era o emo de Restart e similares, com suas roupas coloridas e letras juvenis, senão uma versão mais acelerada da Blitz de 20 anos antes (tirando, é claro, um pouco da melancolia intrínseca)?

É improvável que o rock reocupe o espaço que já teve no Brasil e no mundo. Será cada vez mais difícil, nos próximos anos, que roqueiros novos consigam romper bolhas e furar bloqueios para um público mais massificado. 

A cada ano, os jovens se interessam cada vez menos pelo rock como manifestação cultural de massa, por mais que professores e gestores de escolas grandes de música vibrem com um suposto aumento do interesse de crianças por Beatles, Metallica e U2. 

O rock no século XXI é o blues do final do século XX, que atrai certos segmentos de jovens mais como curiosidade do que uma manifestação artística inovadora – assim como o blues, o rock se tornou, dependendo de múltiplos pontos de vista, conservador e fossilizado.

E então chegou o dia em que ficamos felizes com o ressurgimento de artistas emo como sinônimo de resgate de um rock alternativo e de recuperação nostálgica de certo interesse pelo rock em termos gerais. É uma notícia boa no varejo, no imediatismo, mas não nos iludamos: é o que sobrou para o rock.